O piolhento
Pois que o Otavinho chegou em casa naquela tarde coçando a cabeça de arrancar os cabelos. Dava dó de ver o menino se esfregando todo, com as unhas sujas de terra e depois com a ponta da faca do pão.
Chegava a chorar o coitado, de tanta coceira e de tantos piolhos que acabavam por saltar do seu coro cabeludo para nunca mais serem vistos. O problema era que o pobre estava infestado.
A mãe, com medo que os piolhos pulassem nas outras cabeças da casa, tratou de lavar bem o menino, pentear os cabelos com o pente mais fino que se tem notícia e depois fumegou tudo com um pó branco vendido numa latinha que quando a tampa era apertada fazia um barulho gostoso. Era perigoso aquilo, mas os piolhos eram muito mais.
Tinha a filha de 15 anos com os cabelos batendo na cintura e uma piolheira por lá seria um desastre e faria com que a menina não arrumasse mais casamento.
Naquela noite todos os piolhos morreram e foi com alívio que a mãe constatou que ninguém mais havia pegado aquela peste do cão.
Porém no dia seguinte, o Otavinho apareceu na cozinha, chorando em bicas com os braços estendidos numa óbvia demonstração de abandono. Dizia que lhe doíam os braços de tanto coçar e que não sabia mais o que fazer para acabar com aquele inferno.
A mãe raspou o cabelo do filho contrariando as ordens do marido, enrolou tudo num jornal e botou fogo, para que os piolhos morressem de uma vez.
Pois os piolhos reapareceram na cabeça raspada do Otavinho. Que tristeza ver aquela cabeça nua cheia de pontinhos pretos, como uma doença. E quem via achava tratar-se mesmo de alguma coisa que o pequeno havia pegado.
Passou a semana fumegando a cabeça, lavando de meia em meia hora, até que resolveu levar benzer.
O marido que não acreditava em benzimentos e coisas de outro mundo, tratou de desdizer o dito e ainda debochou da mulher. Mandou que ela o levasse primeiro no protético, já que o médico só viria dali uns quinze dias. Não restou outra alternativa a não ser levar o piolhento no protético, que por fim, disse não poder fazer nada com aquela infestação e tinha a porta quase fechada e não deixou que eles entrassem para uma verificação in loco.
Nem foi para casa. Apertou o menino no braço e levou o pobre se coçando, arrastado pela estrada. Quando chegou na benzedeira, ela já foi logo perguntando se eles haviam participado de algum velório antes dos piolhos atacarem o Otavinho.
“Claro que sim.” Lhe disse a mãe coçando o menino que já não aguentava mais levantar os braços à cabeça. “Foi do Inácio, lembra?”
A benzedeira disse que sim. Que lembrava ter visto um piolho por lá, mas como era dada às rezas o piolho não se atreveu a pular nela. Mas pulou no pequeno. E disse então àquela mãe cansada, que piolho que se pega em velório é a pior peste existente na face da terra.
A mãe lhe pediu se era possível curar o filho já definhado e com amarelão de tanto bicho que tinha na cabeça.
Sim, era possível. Que o pequeno aguentasse um pouco mais, até o próximo velório. Quando soubessem da morte de alguém, era para a mãe pegar um dos piolhos do Otavinho, guardá-lo num papel bem enroladinho e soltar lá, no meio do velório que pronto! O Otavinho se livraria daquela praga dos diabos.
O Otavinho afinal abriu a boca para perguntar se podia ser velório de bicho, já que tinha morrido o cachorro da família e a benzedeira disse que não, só em velório de gente e a mãe pediu se podia ser em velório de jagunço e ela respondeu que sim, jagunço também é gente.
Todos os dias a mãe corria até a igreja para saber se alguém tinha morrido e ao cabo de 20 dias o delegado encontrou um corpo abandonado na beira do Rio Xanxerê e iriam enterrá-lo sem mais demora. Mas com o imbróglio do benzimento, a mãe do Otavinho fez um levante entre as mulheres do apostolado exigindo o velório daquele morto. O Padre achou estranho, mas resolveu atender os pedidos e quando as exéquias apenas começaram, o Otavinho foi lá, fez o sinal da cruz e jogou o papelzinho com o piolho dentro, no chão, mais precisamente debaixo do caixão.
A mãe, feliz, deu por encerrado o benzimento e disse que já podiam enterrar o indigente se quisessem, e saiu do velório olhando a cabeça do menino.
No dia seguinte o Otavinho estava livre da praga, o morto enterrado e o Julinho, filho da vizinha, empesteado de piolho.