Reminiscências - Os Nunes
A inspiração para esse conto veio após ler uma crônica de Rubem Braga intitulada: Os Teixeiras, da coleção Para Gostar de Ler.
Há uma semelhança enorme entre a crônica do mestre Rubem e o que se passou comigo e meus amigos de infância, embora com desfechos um pouco diferentes.
Quem tiver o privilégio de ler sua crônica, entenderá bem o que estou dizendo.
Nossa casa, na Rua Laudelino M. Ribeiro, ou a Rua do Sapo, como era mais conhecida, e que usávamos como “campo de futebol” ficava quase defronte a casa dos Nunes.
Um pouco diferente do nosso campo, descrito pelo escritor de Cachoeiro, era gramado, tinha um pouco de buracos, apesar de bem iluminado.
Rubem Braga descreveu de forma genial o seu “campo” assim: “Tenho horror de contar vantagem, muita gente acha que eu quero desmerecer o RJ contando coisas de Cachoeiro, isto é uma injustiça; a prova aqui está: eu reconheço que o Estádio do Maracanã é maior que o nosso campo, até mesmo o Pacaembu é bem maior. Só que nenhum dos dois pode ser tão emocionante, nem jamais foi disputado tão palmo a palmo ou pé a pé, topada a topada, canelada a canelada, às vezes tapa a tapa.”
Mesmo tendo a disposição um enorme campo, do outro lado do rio Sapucaí, as mais emocionantes “pelejas” eram disputadas na rua mesmo, para o desconforto de alguns moradores principalmente os Nunes. Talvez porque lá não tivesse crianças!
Apesar de sua família ser imensa, moravam naquela casa apenas 4 pessoas: O Patriarca Luiz Nunes, sua esposa Minervina e seus filhos solteiros: Ana e Luiz, os demais, já casados, moravam numa espécie de colônia de propriedade do Velho.
O velho tinha a fama de ser muito sovina. Possuía muitas terras e dinheiro guardado. Foi do tipo de pessoa que viveu pobre e morreu rico. Andava sempre descalço e se vestia de modo simples e todo dia ia pra roça a pé.
Era até meio engraçado, com aquele seu jeito de andar e se vestir, um enorme penado nas costas, além de um enorme nariz. Alguns diziam que ele não tinha o nariz grande, mas sim a sua cara que era “afastada”. Que maldade!
Pois bem, à tarde nos reuníamos para mais uma “peleja” que entrava noite adentro, sempre em frente a nossa casa e dos Nunes, por ser o trecho mais iluminado.
Tínhamos certa tolerância por parte dos demais moradores, principalmente quando a bola caia no quintal deles, mas com o Sr. Luiz Nunes era diferente.
Sempre que isso acontecia, ela não retornava.
Com ele não tinha diálogo, ele simplesmente as escondia. Por vezes, ele aproveitando de nossos descuidos, pegava a bola na rua mesmo, sob os olhares de medo de todos.
Ele não rasgou nenhuma, como fizera uma das Teixeiras da crônica do Rubem Braga. Então ficávamos imaginando o que ele fazia com elas.
Por ironia do destino, minha irmã mais velha, namorou e casou-se com o seu filho e isso estreitou o relacionamento entre nossas famílias, o que não impedia do Sr. Luiz continuasse a “surrupiar” nossas bolas.
Uma vez que minha irmã também foi morar na colônia, eu passei a visitá-la com freqüência e conhecer todos os filho e netos do Sr. Nunes.
Certo dia, fui convidado para jogar bola com eles, e para minha surpresa, cada um deles me aparece com uma bola diferente para a partida. Tinha mais bolas que jogadores.
Foi então que descobri finalmente o destino que ele dava às bolas que eram nossas.
Ao contrário, do que as crianças fizeram com as Teixeiras, não houve vingança de nossa parte.
Eu e meus amigos passamos a desfrutar da colônia e das bolas que eram nossas por direito.
As “pelejas” na gloriosa Rua do Sapo continuaram.
Anos depois, após a morte de D. Minervina, ele se mudou para outra margem do rio Sapucaí, onde tinha que atravessar o campo de futebol.
Ele não devia mesmo gostar de futebol, pois quando atravessava o campo aos domingos, a partida tinha que ser interrompida, sob uma enorme vaia. Mas nem dava “bola”.
Hoje, o que resta da casa e dos Nunes e de nossas emocionantes partidas de futebol, são apenas boas lembranças.