Sapato Velho

Todos os dias na hora do almoço, eu o vejo com seu baú preto cheio de treco. Na frente do Bradesco, lá está ele, seu Joaquim, o sapateiro.

Ele, um artesão simples e talentoso. Um senhor negro com bigode bem grande e volumoso. Suas mãos são adaptadas para seu ofício, para ele, segurar dez sapatos enquanto engraxa algumas botas, não é tarefa difícil.

Está sempre animado e com olhar atento. Estampa uma enorme vontade de atender alguém a todo momento. Todos os dias que eu passava em frente, desejava levar um dos meus sapatos que estava doente. Um dia enfim levei, pois já era tempo.

- Bom dia seu Joaquim! Conheço tua fama e credibilidade, trouxe esse sapato velho, que tão velho já não sei mais qual a sua idade, mas dizem os boatos que você pode consertar qualquer sapato da cidade.

- Eu vejo que chegou em boa hora. Vou ter que reconstruir tudo usando a minha cola, depois costurar a palmilha junto a sola. Talvez uns pregos no salto seja uma boa escolha. Após uma boa polida, ele vai ficar novinho em folha!

Diferente dos médicos do SUS, seu Joaquim fez o diagnóstico sem exames sem enrolação. Com uma olhada rápida, foi tão preciso quanto um cirurgião. Satisfeito com seu parecer técnico perguntei:

- Então beleza, quanto fica tudo isso aí?

- É um procedimento simples que não exigem muitos materiais, fica para o senhor uns... trezentos reais.

- Que Isso?! É um absurdo! Fora do normal! Esse sapato é velho, não vale nem mais um real.

- Mas esse é o trabalho ofereço. Tudo na vida tem seu valor. Tudo na vida tem um preço.

- Eu admiro e acho até um trabalho legal, mas esse valor supera tudo, na verdade, acho que é até imoral.

- Não se espante com o valor, conserte o sapato que um dia você pisou!

- Mas esse já se desgastou e ficou feio. Acho que chegou a hora de trocar ou ganhar espaço no roupeiro.

- Você pode até ter razão.Tem que continuar andando e não pode ficar na mão (...) mas a maioria das pessoas que vêm aqui, pagam o pato. Essas pessoas criam de algum modo significado para o seu sapato.

Não levei seu Joaquim muito a sério, mas antes de dormir percebi que um dia também fui sapato velho. Fiquei opaco, feio e já não andava legal. Acho que me trocaram por um melhor, que de mim não tinha nada de igual. Por isso, essa é a regra da vida que realço: Quem espera sapato de defunto, morre descalço!

Mas seu Joaquim, como um bom santo é, sabe que todo sapato precisa de um pé. Ele sempre diz que faz muito mais do que apenas um reparo. Mas isso não é tão simples quanto parece, a verdade, é que consertar as coisas, as vezes, sai muito caro...

Cristiano Oliveira Santos
Enviado por Cristiano Oliveira Santos em 20/07/2013
Reeditado em 28/12/2020
Código do texto: T4395414
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