ERA UMA ALMA PENADA
ERA UMA ALMA PENADA
Certa vez, num verão muito quente, era mês de janeiro e por essas manias de esquecer as coisas, pois me esqueci de comprar aqueles produtos para repelir os mosquitos. Já tarde da noite lembrei-me de que havia aqueles refis de aparelho elétrico. Esses são bons e suficientes. Estávamos minha mulher e eu em casa. O lugar era a Rua \Francisco Alves, bem próximo da estação férrea. A noite estava muito calma, dias antes havia acabado uma greve geral de ferroviários, que acamparam ali bem perto por vários dias. Dormimos e acordamos com um mosquital muito intenso, eles davam voos rasantes, os ventiladores estavam parados. O calor estava infernal. Pronto! Estava instalado o caos, houvera um blackout de energia elétrica na cidade. Não conseguimos mais dormir e então levantamos para sentar num só na sala cuja porta dava para a rua e podia ser aberta para diminuir o calor e afastar os mosquitos com o vento que soprava da rua.
Que vento, que nada. Ficamos ali nos abandando e o tempo foi passando. Escuridão total madrugada adentro. Então tive a ideia de acender uma vela. Tateei a procura da luminária, encontrei-a e acendi-a deixando perto da porta. Na rua nenhum movimento, escuridão e silêncio total. Ficamos ali conversando, o calor e os mosquitos não nos deixavam dormir. Noite estranha, não passava ninguém, nem os ferroviários que se deslocava ao serviço, nem aqueles que voltavam de seus turnos. De repente, sem que houvesse movimento na rua, uma voz ecoou perguntando assim:
-Tem luz aí?
Deus do céu, que cagaço! Mas reagi e, homem prevenido como sempre fui, peguei rapidamente o meu revólver, sempre carregado e sempre ao alcance da mão direita, levantei rápido e saí cuidadosamente para a rua. Espiei bem para um lado e para outro, depois sai para a rua e encostado a uma cerca de lídias do terreno do vizinho, fui até o canto da esquina. Se fosse algum ferroviário, chegaria ao portão da rede, onde eles batiam o ponto e entravam na empresa, caso contrário uma pessoa seguiria pela Rua Vinte de Setembro à esquerda ou à direita. Olhei e não vi nada nem ninguém. Cauteloso retornei encostado à cerca, alcancei o portão, porém antes de abri-lo ouvi a mesma voz dizendo:
-Tem luz aí?
-Que escuridão!
Claro que não tinha mais luz nenhuma, porque já havíamos apagado a vela ao ouvir as primeiras palavras da alma penada. Era certamente uma alma penada.
Entrei em casa e tranquei a porta. Ainda ouvi um barulho como se alguém puxasse correntes pela rua. Ou seria o barulho de couro seco? Não, talvez fosse o vento.
A energia elétrica custou muito a vir, a água também foi desligada, pois os motores não funcionavam. Os mosquitos continuavam a zumbir e a picar impiedosamente.
Tudo voltou ao normal quando o sol surgiu no horizonte.