Pega ladrão!!!
Todo o povo dessa região conhece o Dico. Sujeito esperto que vive, sobretudo, de malandragem e pequenos golpes que aplica nos incautos que ainda teimam em negociar com ele. Dele se contam várias histórias: roubo de galinhas, venda de cavalo com pelo tingido, tentativas de conquistar mulher alheia... Se for para fazer um rol das tramoias que ele apronta da para encher caderno. Apesar da safadeza, o Dico tem trânsito com todos por aqui. Boa conversa, riso fácil e, porque não dizer, até simpatia. Mas, cuidado! Tratar um negócio com o ladino e riscar na água é tudo a mesma coisa. Eu mesmo caí numa esparrela quando dei a ele uma cerca para fazer por empreitada. Isso foi logo que me mudei, ainda antes de abrir a Vendinha da Grota. Não conhecia o espertalhão, tinha a cerca para fazer e o tal chegou despejando prosa e eu, ávido por fazer amizade, dei lhe o serviço e fui, aos poucos, adiantando o dinheiro. Esse foi o meu erro. O malandro sumiu depois que pegou a última parte do combinado e a cerca ainda estava com a metade por fazer. Sempre que o encontrava ele desconversava, me enrolava com alguma desculpa, até que me cansei de esperar e contratei outra pessoa para concluir o serviço. Qualquer malandro numa situação dessas sumiria de vez. Mas, o Dico não! Talvez por confiar em sua lábia ele aparecia na Vendinha, elogiava alguma coisa que eu tivesse feito, ria (da minha cara, eu acho), tomava uma dose de cachaça, contava uma lorota qualquer, montava seu vistoso e paramentado alazão e sumia novamente.
Devido às muitas queixas que pesavam sobre ele, nas contas da polícia, o malandro tinha por hábito nunca andar pelas estradas. Viajava, sempre, por trilhas paralelas de onde podia ver sem ser visto. Dessa forma escapou de muita patrulha que o delegado punha em seu encalço. Claro que isso tinha seu preço. Lembro-me de um fato ocorrido quando o safado fugia da ira de um marido ofendido, pela cantada descarada que o malandro passara em sua mulher. Dessa ele se livrou por pouco, mas o prejuízo foi alto: Aconteceu que na fuga o ladino teve de abandonar um caminhãozinho debaixo de um galpão da fazenda onde estava acoitado. O veículo ficou lá até apodrecer, porque ele não podia voltar para pegá-lo e o galpão não tinha paredes nem piso.
Certa feita o Dico se apropriou, indevidamente, de uma vaca que pertencia a um conhecido fazendeiro da região. Como não podia ficar com o animal, cuja presença o denunciaria, foi a um açougue na periferia da cidade e inventou uma história de que a vaca não procriava e que por isso tinha de descartá-la, mas não queria simplesmente vendê-la e sim trocá-la, pois assim manteria o rebanho. O açougueiro foi ver a vaca e logo concluiu que algo estava errado. Habituado a adquirir gado de corte, achou estranho que alguém quisesse dispor, a preço de corte, de uma vaca nova com todas as características de uma produtora de leite. Suas dúvidas acabaram na manhã seguinte quando o fazendeiro, verdadeiro proprietário da vaca, compareceu ao açougue justamente para comunicar o desaparecimento do animal. O comerciante, naturalmente, informou-o de suas suspeitas e após uma descrição detalhada do animal pelo ruralista confirmando sua propriedade, de comum acordo os dois, açougueiro e fazendeiro, armaram uma estratégia para pegar o ladino em flagrante. O negócio seria feito e no momento da troca o safado seria desmascarado. Marcaram a transação para dois dias depois, uma manhã de sábado. O proprietário da vaca chegou mais cedo e se escondeu. Quando o Dico chegou com a vaca na carroceria de um caminhãozinho fretado o comerciante pediu que ele levasse o animal até um curralzinho que ficava no final da rua, já nos limites da cidade, e aguardasse para a efetivação do negócio. Assim o malandro fez, sem desconfiar da trama. O açougueiro, então, chamou o fazendeiro e foram. Quando os dois se aproximaram do curral e Dico reconheceu quem vinha com o açougueiro, percebendo que fora flagrado saiu em desabalada rua abaixo, sendo perseguido pelo fazendeiro que gritava sem parar:
— Ladrão! Pega, ladrão! Pega, ladrão!
Alguns moradores alertados pela gritaria formaram fileira correndo em perseguição ao bandido. Dico se sentindo perdido, como último recurso, também se pôs a gritar:
— Ladrão! Pega, ladrão! Pega, ladrão!
Isso confundiu os moradores que julgaram que o ladrão já havia fugido e abandonaram a perseguição. Sozinho e com dificuldades com as pernas devido a idade, o fazendeiro não conseguiu alcançar o larápio que se enveredando pelo tabual de um brejo, conseguiu se safar.
Meses depois a polícia já informada de suas artimanhas, montou campanha em uma trilha que ladeia a estrada em meio ao matagal e conseguiu por as mãos no marginal. Entretanto, os dias de "cana" do safado duraram pouco, pois acreditem se quiser, ele conseguiu que alguém lhe pagasse a fiança e foi posto em liberdade.