O causo do Padre Dimas
Esse causo aconteceu num agosto ventoso, em que os homens tiveram que deixar seus chapéus em casa para não terem que sair correndo atrás deles pelas estradas.
Na Campina havia muitos rumores a respeito de que o padre Dimas teria que fazer uma longa viagem até a capital para receber algum tipo de voto que ninguém sabia ao certo o que era, mas a viagem por si só, fez com que o povo arrumasse o galpão lá da Igrejinha Amarela para despedir-se temporariamente dele. As mulheres grávidas queriam que ele batizasse os nascedouros antes de partir, com eles ainda no ventre e com nomes que daria para trocar caso fossem de outro sexo ao nascer. Os noivos queriam casar e os doentes queriam a extrema unção, mesmo que ficassem sãos, porque, pensavam eles “a bênção do padre Dimas é que nem a mão de Deus”.
A despedida foi coroada com muito vinho, bênçãos, casamentos, extremas unções, só não houve batismo no ventre porque o padre achou um disparate. Montaram um confessionário na cancha de bocha para os mais pecadores e o padre atendeu todo mundo. Já era noite escura quando pegou seu cavalo, as provisões que as mulheres prepararam e foi embora.
Aconteceu que, chegando em Cruzeiro do Sul, o padre Dimas foi abordado por um jagunço foragido do Paraná. O jagunço que era conhecido por Nino deu um pranchaço de facão numa das pernas do padre que se desequilibrou e acabou caindo desmaiado do cavalo. O Nino pegou tudo, até as roupas paroquiais e seguiu fugido em sentido contrário, parando só quando o cavalo não pôde mais andar e adentrou nos matos para descansar e comer o pouco das provisões que tinha roubado do pároco.
O Nino ficou acampado por algum tempo e resolveu continuar na fuga, pois queria voltar ao Paraná para ver a mulher e os filhos e depois seguir para São Paulo. Avistou a Campina e resolveu vestir a roupa do padre, pois seria muito mais fácil ele ficar alguns dias na cidade vestido como tal do que vestido como jagunço. Guardou o facão e a garrucha escondidos na sela do cavalo e arriscou um sorriso.
Aconteceu que, com todo aquele vento a estrada estava coberta pela nuvem de poeira densa e alta, formando redemoinhos onde havia o descampado da entrada da cidade, perto do Posto Militar, e o Nino apareceu no meio daquela nuvem de poeira como se fosse numa entrada triunfal e a batina subiu-lhe pelas costas cobrindo parte da cabeça deixando a visão assustadora, ainda mais que quem viu, reconheceu na hora o cavalo do padre.
Muitos fugiram e algumas mulheres desmaiaram no meio do caminho, mas ninguém foi capaz de parar o cavalo do padre e seu cavaleiro irreconhecível. Tampouco os milicos que pálidos, correram para dentro do posto e se puseram a rezar.
O Nino que não via nada por causa da poeira nos olhos seguiu a esmo até que o cavalo - acostumado com o padre - parou em frente à Igreja e diante dos olhos estupefatos da população. Foi o barbeiro que teve a coragem de verificar se era alma penada com espora na bota ou o padre Dimas retornando da viagem. E quando o rosto do jagunço ficou a descoberto, a população tratou de prendê-lo imediatamente numa gaiola de pau de guamirim pendurada numa árvore.
Só sairia dali se contasse onde estava o Padre Dimas.
E todo dia, quando alguém levava comida e água para o preso batia na gaiola e pedia: “Onde está o Padre Dimas?”. E o Nino respondia, todo dia: “Eu não sei.”
E assim os meses foram passando, ninguém aguentava mais os excrementos a céu aberto do preso e o povo órfão de padre, esperava o substituto para batizar os nascedouros, casar os noivos, benzer os doentes e rezar as missas atrasadas. E o Nino - quase enlouquecendo - pendurado na gaiola sempre com alguém a lhe perguntar: “O que você fez com o Padre Dimas?”
Aconteceu que no Natal daquele ano, quando estavam todos na igreja; quando a Campina não tinha mais esperanças de que algum padre viesse rezar a Missa do Galo, o Nino começou a gritar desesperadamente da sua gaiola: “Eu sei onde está o Padre Dimas, eu sei onde ele está. Tirem-me daqui!”
Todo o povo correu para fora da igreja a ter com o Nino que apontava histericamente para os fundos da igreja e quando todo mundo se virou para olhar para lá; apareceu então o padre Dimas exatamente à meia noite, encharcado pela chuva intermitente, uma barba de semanas e de cavalo novo.
Adentrou o átrio dizendo: “Estou vivo, soltem o bandido.”
E assim, sem mais nem menos começou a Missa do Galo.
O Nino foi solto pelo acordo que tinham feito; esperou que todos entrassem na igreja para a Missa, roubou o cavalo novo do Padre Dimas e fugiu para o Paraná.