Pedido de casamento
Um cumpadi meu, Olegáro Simão, coronézão daqueles brabo, tinha uma roça pras bandas da cidade de Alexânia.
O cumpadi tinha um currarzim pertim, um gadim de leite mei zibuzado cum landêis, um taiãozim de arroiz num canto, um pastim jeitado num otro, a galinhada sorta, cheio de pintinho em vorta da casa, e por aí lem vai naquéa vidinha simprória que só veno.
A muié dele, muiezinha feia de dá dó. Num rismungava munto, causo quéra devota de São Pisíu, o santo protetor dos quéto e dos discunfiado.
A fía era uma buniteza que só veno, iguarzinha uma manga madura em ponto de caí. Cubiçada por tudos moço das redondeza, era vigiada iguá uma cria de onça pelo cumpadi Olegáro, seu único tesouro dispois que fio hômi morreu inda novim de tudo.
Cumpadi Olegáro era famoso pela cachorrada surtida que num saía de pér dele. Tinha de tudo conté culidade: perdiguêro, cotó, pastori, vançadô, xuxu, purguento, mordedô, bulidog, rotivale e carrapatero, tudo conté trem rúim dos cão que paricia, ele tomém pegava pa criá.
Os nome ele punha na veneta do dia e era aquela lambança de palavreio enfezado: Carniça, Mutuca, Tomóve, Minuto, Gitúlio, Garrincha, Paquete, Pancada, Tilivisão, Purrete, Lião, Istrufego, Garrafa, Murcego e mais uma tantada de nome quêle punha na hora, nos conforme dos humor do dia e das conviniênça das lua.
Os trem comia que nem doido. Quem tem dó de angú num cria cachorro, diz o véio ditado. E era aquela tachada de fubá misturada com retaio de açogue, um tantim de sal, vórta e meia uns ovo caipira no meio, cum casca e tudo, e por aí lem ía aquéa trenhêra.
De tardinha, ficava tuda cachorrada em vorta dele naquela cuzinhona esparramada caquéla mesona de prancha no meio.
O véi ligava o radim e ficava escutano aquéas moda ruim, dilurida, falano que o rico num presta e ques vai tudo pros inferno e que os pobre é qué bão, e ques vai tudo pro céu.
Mas se tinha uma coisa que o sô Olegáro num aturava por nada nesse mundo era a catinga do tar chêro dos peido de cachorro.
Ah, isso ele num tulerava de maneira ninhuma. Parece que dava nele era prumódi que nem um remorso, uma penitênça, ansim que nem as afrição duma gastura.
E quando argum cachorro abria o rigistro da fumaça e os odor duminava o biente, e ele tomém num sabia quar que era o criminoso, aí ele fechava o portãozim da cozinha, pegava um por um dos coitado pas orêia e decia o cacête. E era purretada e reiada pa tudo contéra lado. A cachorrada apanhava que nem cabrito na horta só por causa dum traidor, que ninguém ficava sabeno quar que era... Disque cachorro num conta, nem apertadim ,,,
Teve um dia que um ovo choco dispencô da gamela que tava inriba da mesa e espatifô no chão da cozinha. Ah, pra quê! Num deu um tisco de tempo e a cachorrada vazô terrero afora e posaro tudo no mato. Só aparecero nôto dia, cos rabim banano, caquéas cara de quem num sabe de nada, disfarçano o cuntecido. Só ispiano pos lado., tudo disconfiado. Vortaro tudo aliviado, pois iscaparo de tomá uma sova só pramódi do disgranhento dum ovo podre que dispencô da mesa.
Um belo dia, um mocim da cidade se encantô ca fia do sô Olegáro na Feira doTroca lá nos Zói Dagua, e criô as corage, subiu nas determinação de pidi a mão dela em namoro pro véi Olegáro.
O casarzim paxonado, marcô os pidido prum dia de sabadu, um cadiquim berano a hora do armoço, quéra mais fáci amódi puxá a prosa e encará o véi Olegáro, inhanti dele tomá as pinga, que daí ficava mais difíci amódi os tempero dele.
Diz que a muié dele ficô mei muda amódi dum discurso quele feiz prela condêle tava mei tonto, justamente no dia quêle foi prantá mandioca, no dia das lua de mér.
Mais aí o rapaizim chegô, marrô a mulinha num pé de bacate, carçô as corage e foi logo bateno parma na pór da cozinha. A mocinha apareceu cuma ropa branquinha que só veno, uma belezura tadinha, e cunvidô o paxonadim pra modi entrá.
- Mãe, vem cá mãe. Esse é o Astorfo, o fíi da dona Esté.
- Prazê de cunhecê voismicê! (Falô o mocim tirano o chapéu).
- Os prazê é todo vosso, cas graças de Deus nosso, respondeu a véia virano as costa e imbocano pra dem da casa.
- Vai lá pra sala que eu vô chamá o pai. Cadiquim eu vórto, viu? Falô a mocinha quano uma gritaria medonha cumeçô buziná lá no manguêro.
O rapaizim regalô os zoi:
- Uai, meu Deus do céu... Que qui será isso, minha Nossa Sinhora Santíssima dos Afrito?
- Né nada num, Astorfo. É o pai que deve de tá capano uns porquim. Gora memo ele caba.
- Mais eu nunca vi um porco gritá desse tanto, uai!
- É que o pai gosta de espremê limão no corte e os bichim crama... Peraí que vô lá chamá ele, viu? Senta aí um poquim queu já vórto, disse a mocinha cherosa cumas as frô da noite.
O rapaizim foi na sala, sentô numa caderona daqueis prástico verde e isticô as perna. Num deu um tantico ancim de nada, chegô um cachorrim inrustido que ficô oiano pa cara dele, cos dente reganhado, rosnano. Era daqueis baruiento, da raça fóquis. Daí a poco chegô um otro, mais um otro bitelão impariado, mais uma cadelona fidida cas cria atráis, mais um otro grandão mei brabo que garro lambê as mão dele, babano na camisa, mais uma otra tantada dispariada dim tudo, e quano viui, o rapaizim tava acuado na cadera cum dezoito cachorro rosnano na cara dele.
O coitado num bulia nem um dedim do pé, amódi que se bolisse, tarvez podia tomá arguma dentada.
Aí o homim foi suano frioi, foi ingulino seco, foi ficano mei branco, o estâmo imbruiãno e o medo amentano, inté quele num güentô e sortô os ar baruiento da barriga duma veizada só, coitado. Disque inté a véia que tava lá rpa dendo quarto iscutô o barúio.
Niquí a fedentina esparramô pra sala, essa cachorrada panhô gritá e latí num berrero daqueis medonho, dicerto com medo de apanhá e já fôro bandonãno campamento iguá pirdiz vuano.
Aquilo era cachorro latino e saíno pra janela afora, ranhano o suáio móde que escurregava por demais, e aquela latição e aquela curriria que Deus dava que o rapaizim inté achô que tava cabano o mundo, ou se acauso, pudia sê até argum milagre que tava cunteceno... Coitado!
Quando o véi Olegáro viu a fia chegano no manguero e aquela cachorrada vazano da casa naquela latição, ele foi e panhô a foice, encajadô a bicha nas costa e rumô pa dem de casa cas cara fechada iguálum burro quando vai panhá coice.
- Eu pego! Eu pego esse cachorro, falô o véi mordeno os dente e ganhano as passada pesada feito uma vaca no galope. Chegô e já meteu o pé na porta da sala ca foice alevantada em ponto de gorpe e sortô o esturro dum grito que inté hoje o genro, então rapaizim, se alembra a ponto de estourá de tanto ri:
- Quem foi que peidô aqui dento da minha sala, diabo dos inferno? Eu mato o disgranhento!
Inté, pessoá!