ERA SÓ UM POUCO DE CHUVA MEU DEUS

Em volta do televisor de madeira, papai e mamãe, ajeitava eu e meus irmãos para esperar o pronunciamento do presidente do Brasil. Mamãe, com o peito seco, dava de mamar ao meu irmão mais novo, mas, o olhar de esperança estava na tela.

Um soco no televisor, era sempre assim que papai respondia ao pronunciamento. Não havia esperança para nós. Ele não prometeu chuva mais uma vez. Só pediu voto, e disse que nosso país estava em crescimento. Mesmo pequeno, tinha certeza que o presidente nunca conheceu o nordeste.

Papai tinha aquela doença do coração grande. Uma vez, o médico disse que era por causa do barbeiro e não tinha cura. Mamãe brigou com o médico, gritava demasiadamente, como pode um inseto carregar essa doença?

-Mamãe, a comida está ruim. Reclamava meu irmão na mesa.

Realmente o feijão estava azedo fazia 3 dias. Mamãe não tinha culpa, era o que tinha para comer depois que papai se foi, afinal, ele ficava com fome mas nunca deixava nós com ela.

Mamãe passava os dias chorando. Nosso irmãozinho mais novo acabou adoecendo, como não havia ambulância nem hospital perto, acabou morrendo em casa.

Duas cruzes de pau nos fundos da casa, não tardaria para ter 3. Mamãe não acordou naquele dia, nem meu último irmão. Diferente de antes, a casa sempre era fria.

-João não podemos mais criar ninguém, não temos nem pra gente. falava baixinho a vizinha ao seu marido. Eu observava essas brigas pela brecha da porta.

-Mas Maria, é filho do cumpadi Severino, ele faria o mesmo por nós. Retrucava João.

Os grilos, faziam a trilha sonora da estrada a noite. Tive que ir para algum lugar, não era justo ficar ali.

Uma gota d´agua, duas, três. Chovia naquela noite, deitei na estrada com a boca aberta. Tinha certeza que meus pais e irmãos estavam nessa chuva, era tão quentinha.

Deus, arquiteto do universo, me dê forças pra nessa estrada de terra vermelha não padecer.

-A bença Pai, a bença Mãe.