Imagem Google

  A história  é um roteiro para casamento caipira. Como disse no ano passado, não escrevo sobre roceiros de um modo pejorativo, pois, nasci e cresci na roça e tenho orgulho disso. No texto não há armas de fogo nem noiva grávida. Esse texto pode ser encenado nas escolas e não gosto de ver crianças fazendo teatro como se fossem adultas. Tudo tem o seu tempo.

Casamento na Roça
 
 
                          Noivo: Brechó Liônço
                          Noiva: Tertuliana Judite
                          Pai da noiva:  Badulino  Dorvalo Lionço
                          Mãe da noiva:  Artamira Durvalina Lionço
                          Pai do noivo:  Josivardo Cansado
                          Mãe do noivo: Quelementina Liodora Cansado
                          Padrinho da noiva: Florisvardo  Armando Pulo
                          Madrinha da noiva: Armerinda  Orora
                          Padrinho do noivo:  Izé Bartolomeu
                          Madrinha do noivo: Jisuina da Cruiz
                          Convidado: Orondino Esmeraldo
                          Convidada:    Liontina Pedra  de Barros
                          Sacristão: Crispim
 
     *  O assunto principal da história é a suspeita da noiva não ter sido batizada e o noivo já ser casado, daí se desenrola a falação.
Tudo começa com a música e a entrada do noivo com a mãe. Depois a mãe da noiva com o pai do noivo, depois os padrinhos. Quando todos se acomodam no altar a noiva entra com o pai e o casamento começa:
 
Padre: Istamu tudo riunido aqui na igreja pa mode casá o moço  Brechó Lionço  e a moça Tertuliana Judite e si tivé arguém no mei desse povão qui subé d´argum impidimento pó falá agora, enquanto é tempo ô nunca mais abri a boca nunca mais pa fofocá. Tô esperano, disimbucha gente!
 
Noiva: Mais num é pussive ieu passano da hora de casá e inda o vigaru arruma essa ladainha!  Nós qué é casá, nóis se amemo, num é mêrmo Brechó, meu bem?   
 
 Noivo: É isso memo, Tutu, minha tetéiazinha!
 
Dona Liontina: Num só muié inredêdra, mais vi falá qui a  noiva num foi batizada... Sô Vigaru.
 
Padre: Né pussive, si fô verdade ieu num posso fazê o casório, num vô  casá noiva  pagã!
 
Falação entre os padrinhos e pais dos noivos e a mãe da noiva grita:
 
Mãe da noiva: Oia, oia, num vem levantá farso da minha fia não qui eu vô até aí e deito o braço nocê! A madrinha dela, a Cumadi Armerinda tá aqui pa prová qui ela recebeu o sacramento inda no tempo do padre Zidoro.
 
Mardrinha da noiva: Tô memo Sô Vigaru, ieu sô tistimunha quela foi batizada.
 
Padre: A sinhora jura cá mão im riba da Bríbria qui a noiva foi batizada, dona Armerinda?
 
Madrinha da noiva: Oia Sô Vigaru, num sô muié de pricisá ficá jurano a tôa não! Só sei qui sigurei a Tertulinha  nos braço lá na igreja pa batizá condo ela era destamaninho e vi o finado padi Zidoro andá im redó de nós tremeno os beiço. Ieu num intindi as palavra dele, mas tenho cá pra mim qui ele tava é batizano a minina in latim, né memo?
 
Um convidado: Ihh ieu num sabia qui o finado padre Zidoro batizava latino!
 
Padre: Quanta inguinorânça meu Deus! Bamu vortá  pru  casório qui a noiva foi batizada. Dona Armerinda é muié dereita e num ia minti!
 
Orondino: (Fala para o pai da noiva) Cumpadi Badulino, se eu fosse vós mim cê, num deixava esse rapaiz  casá cum sua fia não, ele num tem nem um pedaço de roça, ele é um pé rapado, eu inté sube que´le é casado e dexô a muié dele lá no Disimboque, cum 10 fios pra criá.  Agora sim, eu dava certo pá casá cum vossa fia, ieu tenho criação de porco, de boi, de pirú, de galinha, e inté um miarau granadinho pá fazê fubá.
 
Noivo: Era só o que mi fartava, ocê diz isso é pruquê qué  casá cum ela, mais ela num te qué, si ocê tem tudo isso  é pruque  roubô, ieu num tenho nada mais num sô ladrão. Sô pobrim mais sô bunito né minha gente? Sô ou num sô? (O noivo dá uma volta se exibindo e perguntando para a platéia)
 
Pai da noiva: (Diz para o noivo): Oia aqui rapaizim,  o quê qui ocê  ta fazeno, diz se tem mermo arguma coisa, minha fia nunca passô fome, ela come de manhã cedo, de mei dia, de tarde e de noite.
 
Noivo:   Num se procupe meu sogro,  qui sua fia, vai cumê munto angu cum taioba todo dia e num vai passá fome junto cumigo, num sinhô.
 
Padre: Bamu deixá de falação, pruque o  qui o Sinhô Orondino disse é grave  e num  posso fazê o casamento, sabeno que o noivo já é homi casado.
 
 Noiva: Num é casado não sô vigaru, o Brechó nunca mintiu e num avera de minti agora?
 
 Mãe do noivo: Coitado do meu fiotim, cumé  qui se alevanta um farso dessa moda, meu fio é sortêrim da sirva, ele é inté donzelo ainda.
 
 Pai do noivo: Meu fio num é casado não seu dotô, posso lhe agaranti: Taí o padrinho dele o meu cumpade Izé Bartolomeu pá prová, ele cunhece meu fio desde mininim bem piqueno...
 
Izé Bartolomeu: É verdade o que meu cumpadi  falô, sô inté capaz de jurar cum a mão na briba cuma meu afiado nunca nem bejô uma moça.
 
Noivo: (Puxa o padrinho para o lado e diz) - Num mi passa vregonha na frente dus otro padim Izé, pra mode quê foi contá isso?
 
Pai da noiva: (Fala bravo mostrando na cintura um facão): - Eu quero é sabê memo se esse cabocrinho é casado, pruque si fô ieu quero logo dá um corretivo  nele e é pra já! (puxa o facão e risca no chão).
 
 Noiva: - (Meio chorando) - Num é casado não papai, credoincruiz!  Esse tar de Orondino só vei trapaiá  casamento dus zotro,  modi qui ieu nunca dei confiança prele.
 
Mãe da noiva: Se acarme minha fia,  qui cê vai casá. (E fala para o marido): - dexa de afobação Josivardo, apois ocê  num sabe que ele é dereito e a famia dele tamém?
 
Pai da noiva: Num sei disso não minha véia! Eu já tô é brabo dimais da conta!
 
 Madrinha: Apois é cumpade, tenha carma.  (Fala para a noiva). Num chore não minha afiada.  Tudo vai dá certo, pa titia qui nem a madrinha ocê num fica não.
 
Padre (Fala bravo):- Bamu acabá cum esse trololó, sinão num vai tê casamento coisa ninhuma. Além do mais ieu tô cá barriga roncano de fome.
 
Sacristão: Eu já tô quase doido!  Tô cum medo, num posso nem ficar de pé tô todo tremeno us juêio.
 
 Pai da noiva;  Eu já tô açulerado, agora quem vai fazê o casamento é ieu, cumé sô vigaru, casa ou num casa os noivo?
 
Padre: Eu também tô suano com tanta zueira, casa sim Seu Josivardo.  Vamos sacristão, dê cá as aliança.
 
Padre: Brechó, ocê quê arreceber a sinhorita Tertuliana como sua ligitíma muié?
 
Noivo: Quero sim sinhô, ieu amuela... Se não queresse num tava aqui, isperano esse tempão no meio dessa brigaiada!
 
Padre: A senhorita Tertuliana, quê arreceber o sinhor Brechó como seu ligítimo home?
 
Noiva: Ô pade, o sinhô inda prigunta?  Sô  doida cum o Brechó Lionço! Quero sinsinhô, é tudo qui eu mais quero nessa vida, uai! Morro de medo de morrê virge!
  
Padre:
 Intão, eu declaro ocês  casado, marido e muié. E abençoo im nomi dos cravo, dos alicrim, dos jasmim, e dos mangericão.
Agora os padrinhos jogam arroz nos noivos que é para eles serem filizes e
 
Todos gritam juntos
 
TODOS: Viva São João e viva São Pedro meu povo, viva!
 
Izé Bartolomeu, padrinho do noivo, quando desceu do altar, veio para junto de Zefinha, sua irmã, que tinha vindo de Pernambuco com o presente para os noivos.
Como era época das festas juninas, Zefinha lembrou de trazer um conjunto de “forró pé de serra” para animar a festança depois do casamento.  
Foram todos para a casa de Badulino, onde o conjunto formado por um sanfoneiro, um triangueiro e um zabumbeiro já estava esperando.
O sanfoneiro, Chico dos oito, como era conhecido por tocar o fole de oito baixos, já estava com a cara cheia de aguardente, porque Artamira, antes de sair de casa, disse ao pigunço:
ispremente esse taco de torrêro modi vê sí já tá no ponto, pruquê ieu já tô atrasada pô casório e quero derligá o fogo.
mai ieu vô cumê o torrero ansim, sem nem uma caninha, modi abri us caminho.
num seje pru isso. Taquí é da boa, vei do engem de cumpadi Izé Bartolomeu, ele só fai a marvada cum cana madura.
Chico dos oito botou um copo americano pela palheta, despejou um pouquinho no canto da parede para o santo e bebeu de uma só vez. Tossiu, fungou o nariz, deu uma cusparada e botou o torresmo na boca desdentada enquanto passava o pé no cuspe.
Tá bom dimaize. Pode derligá o fogo si não vai queimá tudim.
Mas, mesmo assim embriagado, Chico dos oito fez o maior sucesso com a animação embora a música fosse uma só. A festa rolou o resto do dia e entrou pela noite, muito tempo depois que os noivos tinham ido para a casa deles, novinha, construída do outro lado do rio.   
                         
                   
Nota: Agradeço ao meu amigo irmão pernambucano, Alberto Vasconcelos pelo texto de interação e complementação do casamento caipira.

                                
Pintura de   Marysia Portinari
Maria Mineira
Enviado por Maria Mineira em 12/06/2013
Reeditado em 12/06/2013
Código do texto: T4338537
Classificação de conteúdo: seguro