MARAGATO, SIM SENHOR!
Lá no terceiro distrito de Canguçu, localidade denominada "Saída dos Gomes", havia uma família que era conhecida pelo nome do patriarca da mesma: os Tedéus.
Na época negros, hoje afrodescendentes, mas que se sentiam muito honrados em serem negros e ostentarem cada um dos varões daquela família, a começar pelo pai até o filho mais moço, um portentoso lenço colorado no pescoço, posto que eram maragatos de primeira linha.
Gente que trabalhava muito e, por isso mesmo, mantinha um nível de vida bastante razoável, casa com fartura, carroça para o passeio em família, cavalos de boa encilha, boas pilchas, bons aperos e um 44 reluzente na cintura de todos e de cada um.
Se por um lado tais peculiaridades agregava valores em torno dos Tedéus, por outro provocava uma ciumeira danada de alguns capachos dos chimangos, partido ao qual pertenciam as autoridades do Município e daquela região. Sim, os distritos possuíam uma espécie de "todo poderoso", nomeado pelo Prefeito, a quem era dado o título de subprefeito e subdelegado, o que lhe conferia, como atribuição, a condição de comandante do destacamento policial do distrito.
Qualquer arruaça que ocorria, mesmo que os Tedéus não estivessem envolvidos, alguém fazia chegar ao conhecimento do "todo poderoso" que os mesmos é que tinham dado causa ao rusculho. Lá iam os Tedéus atender a intimação para prestar esclarecimentos!
Isso se sucedeu por largo tempo. O ódio dos capachos aumentava a cada dia.
De uma feita, em mais um chamado pelo "todo poderoso", aqui identificado como José, para prestar esclarecimentos de fato para o qual não haviam concorrido sequer com presença, receberam voz de prisão por parte de José, na sede da subdelegacia e da subprefeitura.
Fizeram as contas, balancearam a situação, eles eram em três e com o subprefeito e subdelegado estavam dois praças, e resolveram não se entregar, sacando a um só tempo seus 44 flamantes e encerrando dentro de casa a manotaço de cavalo o valentão José e seus dois ajudantes. Foi uma vergonha!
Aquilo se espalhou como rastilho de pólvora, chegando rapidamente à cidade, mesmo sem a facilidade de comunicação hoje existente.
O Prefeito, para não desautorizar José, deixou transcorrer algum tempo e tratou de substituí-lo por outro chefe político do terceiro distrito aqui identificado como Alcebíades Flores, homem com sangue nos olhos. Essa seria a solução para os problemas criados pelos Tedéus.
O velho Tedéu, homem experiente, viu que a coisa estava ficando muito perigosa para seus filhos que, a propósito, eu ainda não disse, se chamavam Cídio, João Lauro e Luiz. Com a autoridade que um pai tinha naquela época recomendou bem seus filhos no sentido de que evitassem qualquer conflito.
Num determinado final de semana ocorreria uma festa de carreiramento de cancha reta, na Boa Vista. Os Tedéus resolveram ir. O pai aconselhou que levassem seus revólveres atados às costas, discretamente, sinal de que estavam com índole pacífica. Além disso, o velho Tedéu foi até a casa de Rafael dos Santos Nunes, homem probo e que integrava o grupo chimango, pedindo que os "guris", como chamava seus filhos, pudessem ir com ele ao festejo.
Assim se fez, João Lauro, Cídio e Luiz se dirigiram ao carreiramento na companhia de Rafael.
No momento em que chegaram na festa todos se dirigiram à porteira para pagar o ingresso da festa, o que realmente ocorreu.
Minutos depois de terem entrado na festa, espalhou-se o boato mentiroso de que os Tedéus haviam se negado a pagar o ingresso, não lhes sendo sequer dado o direito de defesa. A acusação e a sentença já estavam prontas. O combate começou de maneira desigual, posto que os Tedéus estavam com as armas atadas nas costas e foi difícil desamarrá-las para o uso.
Entretanto, quando as armas ficaram disponíveis para utilização de parte dos Tedéus um deles, Cídio, já estava ferido de maneira fatal, vindo a falecer por hemorragia como adiante é contado.
A população presente se atirou ao chão, tamanha era a quantidade de disparos. Alcebíades Flores, subdelegado, atirava de pontaria e com ligeiro sorriso nos lábios.
Luiz, no ombro esquerdo carregava o irmão ferido, enquanto atirava com a mão direita. Como escudo usava os moirões do aramado da cancha reta. João Lauro, por sua vez, tentava dar cobertura aos outros irmãos, atirando constantemente contra as ditas autoridades.
Em tais circunstâncias, Luiz conseguiu atingir Gucha, o Matreiro, capanga de Alcebíades Flores, no pomo de Adão que, ao se ver baleado, desmaiou achando que iria morrer.
Nesse momento era impossível visualizar o lenço maragato no pescoço de Cídio e Luiz, dada a grande quantidade de sangue que vertia do corpo de Cídio.
E foi assim que Luiz conseguiu escapar com vida daquele lugar, levando consigo seu irmão ferido de morte que veio a falecer horas depois.
João Lauro, no momento em que constatou que havia conseguido viabilizar a fuga de seus irmãos daquele combate desigual, escaramuçou seu tostado, deu rédeas ao mesmo, o vento fez de seu lenço colorado um estandarte, e disse em voz alta e de bom tom: - Sou Maragato, sim senhor!