O ancião
Ninguém sabia a idade do Licurgo e desconfiavam que nem ele sabia ao certo, mas todos tinham certeza absoluta que ele já tinha passado dos cem há muitos anos atrás. Lembravam porque uma filha perdida e já morta levou-lhe um bolo para comemorar o centenário e convidou alguns vizinhos para participarem da festa porque o velho morava só.
Pois aconteceu que o Licurgo ficou doente das pernas, sentia câimbras resolutas a lhe podarem os movimentos e necessitou – muito a contra gosto – que alguém viesse lhe cuidar. Pediu ao Padre Dimas se ele conhecia alguém de preferência mulher e que pudesse ficar lá até que melhorasse, e o Padre lhe respondeu que teria que conversar com as mulheres do apostolado e que depois lhe daria resposta.
Numa manhã a Dona Gerusa bateu na porta da casa do Licurgo e ouviu um grito de “entre” que a fez dar um pulo para trás. Quando se apresentou pediu-lhe desculpas porque tinha esquecido que ele não poderia atender e se atrapalhou toda diante do olhar lascivo do velho.
Quase se arrependeu de ter ido lá ajudar, mas com uma suspirada de ar mortífero, pensou que diante das outras ela havia se comprometido com aquela missão.
Ao Licurgo lhe agradaram as formas fartas da Dona Gerusa para pegar aqui e acolá e pediu de supetão que lhe arriasse as calças para urinar num balde. Dona Gerusa com o coração aos saltos lhe disse que buscaria o balde, mas para arriar as calças ele ainda estava bom dos braços e das mãos. O velho grunhiu e grunhiu também a Dona Gerusa que diante do espetáculo da calça arriada e da virilidade do homem restou-lhe virar o rosto corado.
Depois do serviço feito, Licurgo pediu sobre a vida e tudo o mais. Queria saber sobre aquela generosidade à sua frente. E a Dona Gerusa tratou de falar tudo, sem vírgulas e sem respirações. Contou coisas que não tinha coragem de contar em confissão, que dirá ao marido que era um bruto. Enquanto contava, Dona Gerusa pensava que o velho logo morreria e que não havia mal algum em expor-lhe os seus pesadelos mais íntimos.
Com um “chegue aqui perto de mim”, Dona Gerusa estremeceu e veio em sua mente a visão do serviço no balde que tinha acontecido alguns minutos antes, ou horas, pois que havia perdido completamente a noção do tempo.
Ela foi e se achegou no velho, sentiu o cheiro da decrepitude na pele flácida e esbranquiçada e quando ele passou o braço por cima do seu ombro, sentiu-se uma adolescente diante do primeiro namorado. Encostou a cabeça na cabeça do Licurgo e sentiu uma coceira na têmpora pelo roçar dos pelos duros da orelha dele. Pediu se podia tirá-los com delicadeza e o Licurgo disse que sim, e os peitos dela a balançar no queixo dele trouxeram a vivacidade naqueles corpos senis.
Na semana seguinte um Licurgo já sem câimbras e andando naturalmente aparecia a todos muito mais remoçado, pois que agora usava brilhantina nos cabelos e estava de colete. Tinha um brilho indecifrável nos olhos e ria com frequência.
A Dona Gerusa naquela semana pediu a dispensa do serviço ao Licurgo, pois que não lhe era mais necessária e tinha saído também do apostolado e estava incrivelmente mais bonita e feliz. Dizia que o bem que se faz a outrem é digno da felicidade e piscava o olho agora pintado de lápis. No apostolado ela disse que precisava se dedicar mais ao marido, pois afinal, naquele ano fariam bodas de ouro com direito a festa na igreja e benção do Padre Dimas.
Os anos foram passando e o Licurgo resolveu comemorar mais um aniversário. Queria que tivesse algumas velas em seu bolo e comunicou com uma voz sobrenatural que faria 115 anos.
No dia da comemoração muitas mulheres estavam lá, tantas que não couberam dentro da casa e tiveram que ficar no pátio aguardando a vez de parabenizar o Licurgo.
E todas por sua vez comentaram que em algum momento de suas vidas tiveram que ajudar o velho na cura de suas câimbras decrépitas.