Zezão do Cemitéio
Quando o sol se punha, lá na beira da estrada encontrava-se aquela figura. Seu rosto é pálido, uma cor pálida muito forte. Rosto chateado como se fosse de cavalo. Dentes não muito bons, braços finos como agulhas, cabelos louros e cacheados.
Todos tinham medo dele. Não era elegante, mas sempre transmitia um sentimento de terror. Ninguém conversava com ele. Era um zero à esquerda. Somente possuía um amigo: Zezão do Cemitério. Apelido dado por causa de visitar o cemitério todos os dias: de manhã, de tarde e talvez à noite, se passasse por sua cabeça. Zezão tinha um hábito: bebia muito.
A figura sinistra de que falo tinha o nome João, mais conhecido por João do Chalé, porque morava em uma casa bem simples e era aposentado por motivo de saúde. Também bebia muito.
Em uma noite clara, após um velório de uma pessoa importante da cidade, Zezão e João se encontraram na porta do cemitério. Conversaram e resolveram tomar umas bebidas. Compraram e lá foram tomando tarde a dentro. Em um estado de embriaguez total, adormeceram e não conseguiram acordar. O coveiro cansou de chama-los, mas o sono era tão profundo que cada um ficou para um lado. O coveiro, portanto, saiu bravo e os trancou dentro do cemitério.
Por volta de dez da noite, um acordou, meio sonolento e viu que estava dentro do cemitério, resolveu sair correndo e gritando pelo Zezão e o coveiro, estando ainda de fora, falou em voz bem trêmula, que Zezão tinha partido para outra vida.
Bastante confuso, e com medo, João do Chalé pulou o muro e pôs-se a gritar, chamando pelo amigo, ou seja, seu único amigo.
Zezão acordou meio tonto, cambaleando, fazendo curvinhas e gritou:
__ João, João, onde você está? Porém, sua voz fraca, João não o ouviu.
João porém, gritou com mais força e perguntou:
__ Zezão, Zezão, meu único e meu melhor amigo, fala comigo. Onde você está? O coveiro disse que você morreu, como é ai, no outro mundo, fala, fala homem...
Zezão, meio ressacado, disse:
__ João, aqui é muito escuro. Não vejo nada, nem uma alma viva no meu lado. Está tudo quieto. Não sinto o perfume das flores, nem mesmo o vento a soprar. Meu cabelo está sem pentear. Aqui é muito ruim.
__Zezão, meu amigo, você está sentido muito frio. Não tem jeito de levar nenhum cobertor para você. O maldito coveiro enterrou você.
__ João, estou ouvindo alguns passos. Deve ser a hora de meu julgamento. Vejo duas pessoas. Uma de branco e a outra com um cetro na mão. Vão me julgar. O que devo fazer?
__ Zezão, não conte nada para eles. Não conte das nossas pingas que tomamos juntos, não conte dos abraços nas morenas.
__ Está muito frio, eles estão aproximando. Um ergueu o cetro, o outro está anotando. Vão me mandar para o inferno, que terror...
__ Oh! Zezão, se mandarem para o inferno você vai achar bom. Dizem que lá tem muita mulher bonita, tem muita bebida, tem comida boa, tem até boate. Se você quiser, eu posso trocar com você. Vem, pula o muro e eu vou no seu lugar.
___ João, estou atravessando para o céu. Vejo muitas , muitas casas e até um carro da polícia. Aqui no céu deve ser muito bom. Tem tudo, tem tanta gente que sorri para mim.
__ Zezão, no inferno não é nada disso. É uma tremenda escuridão. Não vejo nada, sinto muito frio, tem um cachorro que está lambendo minha cara e o Capetão está me dando tapas. É um horror.
Com este diálogo todo, pelo menos umas duas ou três horas ficaram eles ali conversando as mesmas coisas. Um achava que estava no céu e outro no inferno. A todo momento invertiam os lugares.
Quando melhoram da pinga, viram que o Capetão era o coveiro, que estava com a enxada na mão e o de branco era um médico que iria fazer uma autópsia e do lado de fora eram as pessoas que iriam praticar e os carros da polícia para cobertura.