O preferido
Esse causo aconteceu quando as primeiras famílias apareceram para desbravar a Campina da Cascavel, vinham de lugares distantes e também de outros países. Uma dessas famílias era oriunda da Itália e veio o casal com três filhas pequenas.
A mama fazia comidas espetaculares e usava um ingrediente que não existia na região e todos que provavam do petisco queriam saber da receita e do dito “manjericão roxo” que ela usava para deixar tudo mais apetitoso. O condimento acabou virando contrabando e renda principal para a família da mama que enriqueceu de uma hora para outra.
Com o tempo as filhas casaram; a mais nova com o João, a do meio com o José e a mais velha com o Ademir. Nessa ordem, porque a mais nova casou muito cedo em função de uma gravidez de susto. O João que foi o primeiro a entrar para a família ganhou o posto suado de “o preferido”.
Pois que a mama reunia a família todo o domingo para um grande almoço e o preferido ganhava a honra de ter a comida predileta à sua frente. O João comia o que mais gostava e lambia os beiços de satisfação gerando uma espécie de ciumeira entre os concunhados.
O José pouco falava e a mama chamava o pobre de “povereto” e o Ademir, bom, o Ademir questionava se já não era hora de uma troca de genros no posto da predileção da matriarca, ao que ela respondia num vozeirão de poucos amigos que “no! Aspettare il tuo turno” e bem baixinho para o nono escutar: “bruta bestia”. E o Ademir que não entendia italiano, mas entendia muito bem a língua escaldada da sogra, comia numa ponta da mesa a remexer-se na cadeira de madeira.
E os domingos eram de festa e de muitos gritos, a cada almoço o nono aparecia com uma cadeira nova para acrescentar à mesa que já estava com uns bons remendos para ficar maior, pois os netos não paravam de chegar - dezoito ao todo -. A mama e o nono nunca sabiam que filho era de quem e quando iam chamar algum diziam: “Quello altre ali”, ou então diziam todos os nomes – quando lembrava – até acertar o nome da criança que queria chamar. E era um tal de empurra filho daqui e dali que os dezoito apareciam na frente da mama para atender-lhe o pedido.
“Polpetta” de novo nona? E a mama respondia que “si, era il cibo preferito di João, mangia i cala a boca impertinente”.
Todos comiam, mas não calados e então aconteceu que uma vizinha apareceu pedindo do dito manjericão roxo, só um tantinho para que ela pudesse fazer a receita de pastel que a mama tinha lhe passado. E a mama foi até a cozinha e trouxe um naquinho de nada do condimento e cobrou a queima roupa na frente de todo mundo: “ Il costo è di trenta mil réis”. A outra quase caiu de costas, mas diante daquele espetáculo minúsculo apertado entre os dedos, resolveu ceder e pagou sem pestanejar com o brilho da cobiça em seus olhos.
Os genros não respiraram quando esticaram o pescoço para ver onde a mama guardava tão rico alimento pois que era escondido à sete chaves e ninguém nem o nono, sabia onde era. Todos aqueles anos eles passaram procurando o manjericão, sem sucesso.
Foi quando aconteceu que o nono apareceu com uma cadeira a mais na mesa e a mama gritou num português gelado que era a hora de parar com os netos, que estavam todos velhos e para que tanta criança se não tinha mais panela para fazer tanta comida e notou que muitas cadeiras estavam vazias e faltavam muitos netos à mesa e que a gritaria havia encerrado. Todos explicaram que muitas delas estavam já em faculdades nas capitais e o José, aquele “povereto” disse numa voz que ninguém até então conhecia que foram estudar para serem gente de bem e graças à mama que tinha parido as filhas... e a mama não deixou o “povereto” terminar gritando que “Da ora avanti, il mio preferito è Bepin, mio povereto”.
O João se engasgou, mas ao mesmo tempo ficou aliviado porque não teria mais as polpettas no domingo e o Ademir, bom, o Ademir deu uma fungada entre uma garfada e outra e fez as contas que dali uns 20 anos ele poderia ser o preferido se tudo fosse bem. Ficou pensando e lamentando o fato de nunca ter descoberto o esconderijo do manjericão, aquele condimento que lhe abriria muitas portas e janelas e também a independência familiar e lembrou que o José nunca falava e ninguém sabia que comida ele gostava e pediu em voz alta mesmo - já que com toda aquela gritaria dificilmente alguém iria escutá-lo – o que ele faria agora com o posto de preferido e o José respondeu depois de limpar a boca no guardanapo bordado que a hierarquia lhe conferia que era para o Ademir se acalmar que logo tudo se arranjaria pois que tinha visto onde a mama escondia o manjericão roxo.