Visita ao templo

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– O Dr. Zizyphus chegou – informa a beata Mocinha ao pároco da Catedral de Juazeiro.

– É o tal do doutor que está investigando o milagre do Padim, Mocinha?

– Sim, senhor. E o disgramado é de Crato!

– Já ouvi falar sobre ele. É bisneto do Dr. Tenório, um maldito e excomungado fazendeiro que nunca aceitou perder capangas e moradores, depois que o Padim se afeiçoou por Juazeiro. O velho fazendeiro se tornou um desafeto, inimigo declarado da nossa abençoada cidade. O peste morreu e não pisou por aqui – birra de gente lunduzeira, Mocinha.

– Esse pustema que está aí fora é recém-formado, sabia Padre? – Comenta a beata, sorrindo.

– Não entende nada de Lei e já deu para achar que entende das coisas de Deus, sobre milagres, fé, religiosidade... Mande esse cabra entrar logo, se avexe Mocinha. – Determina o pároco.

– Sim, senhor! Vou chamar o moço! E, por favor, senhor seu Padre, não me peça para trazer nenhum cafezinho para ele.

– Vá logo, se avexe, ora!

Instantes depois, Mocinha e o visitante estão diante do padre.

– Sente-se, doutor! A que devo a honra da visita?

– Na realidade, o senhor já sabe o que me trouxe até aqui, então...

– Então que o senhor doutor seja direto e pergunte logo o que quer! – Sentencia o padre, demonstrando desconforto com a presença do visitante.

– Sabemos que o Padre Cícero celebrou a primeira missa em Juazeiro no Natal de 1871.

– Certo. Ele veio celebrar a Missa do Galo. Mas na época, senhor doutor, essa cidade não se chamava Juazeiro, ainda. Éramos Distrito de Crato e esse local, senhor doutor, era conhecido como Tabuleiro Grande. Acho que o senhor doutor pulou essa parte da sua pesquisa, ou não ouviu atentamente a história que seu bisavô deve ter contado dentro de casa...

– Em 11 de Abril de 1872, alegando um chamado de Deus – ele sonhou que deveria tomar conta do povo, não foi? – Continua o causídico, ignorando os comentários do sacerdote.

– Continue, doutorzinho! Continue... Mas não se esqueça das benfeitorias que o Padim trouxe para nossa cidade. Não fique cego, desconsiderando que o Padre tirou esse povo dos costumes profanos e criou as casas de caridades. De frequentadores de puteiros, o povo do vilarejo passou a temer a Deus, cultivando os mandamentos, celebrando os sacramentos... Mas vamos deixar de rodeios e pergunte logo o que o senhor quer perguntar, Seu Doutor! Pergunte logo!

– Como foi esse milagre do dia 6 de Março de 1889, padre?

– Primeiro, garanto ao senhor que eu não estava lá! Portanto, o que sei é o mesmo que o senhor sabe. Sei de ouvir falar, mas...

– Mas me conte, padre, o que o senhor sabe? – Interrompe o Dr. Zizyphus, com ar de sarcasmo.

– Sei que durante a comunhão, a hóstia da Beata Maria de Araújo não foi deglutida por tornar-se sangue. E o fato se repetiu por dois longos anos, tornando-se milagre.

– Milagre ou suposto milagre?

– O senhor tem alguma prova em contrário, doutor? Seu bisavô, homem de muito poder à época, desafeto da Igreja e do Padre Cícero, fez de tudo para desmoralizar o acontecimento, mas nunca conseguiu. E o senhor vem, agora, ‘trocentos’ anos depois, com essa incumbência, achando que vai conseguir? Será que o capeta incorporou o tinhoso do seu avô no senhor, foi? Vá cuidar das suas leis, seu Doutor! Deixe que a Igreja cuide das coisas de Deus!

– O senhor parece ignorar a decisão do bispo Dom Joaquim, depois do relatório da comissão.

– E o senhor ignora o relatório da primeira comissão. Faço questão de ler para o senhor, doutor, trechos do que concluíram. Vamos começar pelo Dr. Ildefonso Correia: "(...) facto da ordem dos observados não podem ser explicados pelo jogo natural dos agentes naturaes, sendo forçoso acceitar a intervenção de um agente inteligente occulto que represente a causa, o qual, no caso em questão, acredito em ser Deus (...)". Que tal ler o que disse o Dr. Marcos Rodrigues: "(...) Muitos factos semelhantes se têm dado no Joazeiro e para verifica-los era mister que o Exmo. Bispo Diocesano viesse a esta localidade, si não acreditar, como eu até pouco tempo, na sua veracidade, apezar do testemunho quase diário de centenas de pessoas (...)". Mas para o Padre Chevallier, assessor de Dom Joaquim: "Jesus Cristo não vai deixar a França para obrar milagres no Brasil".

– O que vale, padre, é que a beata foi enclausurada e levou boas palmatórias; e o Padre Cícero recebeu suspensão de suas ordens sacerdotais...

– O que vale, doutor – interrompe o padre – é que a cidade cresceu e o ódio do seu bisavô não vingou porque aqui na terra, o bem sempre vencerá o mal!

– Farei novo relatório, padre.

– Mocinha – grita o padre, interrompendo o senhor doutor – o Dr. Zizyphus está de saída. Traga-me uma fitinha do Padim, por favor!

– Ainda não acabei, padre!

– Acabou, sim, doutor!

O padre, recebendo a fitinha da beata Mocinha, envolveu-a no braço do Dr. Zizyphus, benzeu a fita, fez por três vezes o sinal da cruz e arrematou:

– Vá com as bênçãos de Deus e a proteção no meu Padim! Passar bem, doutor!

O jovem advogado se levantou e tomou o rumo da saída, seguido de perto pelos curiosos e atentos olhares da beata Mocinha. Na porta da saída, tão logo colocou os pés fora da igreja, inesperada tempestade sobreveio com raios e trovões singrando o espaço. O Dr. Zizyphus se benzeu, segurou a fita vermelha e saiu, molhando-se com as gotas da chuva surgida do nada. Nas ruas vizinhas, causticante calor atormentava os romeiros que visitavam a cidade de Juazeiro durante a Romaria de Finados.

– O cabra da peste e da gota serena já se foi, padre! Vi com esses meus olhos que a terra do meu Padim há de comer. – Exclama a beata Mocinha, fazendo o sinal da cruz.

– Acompanhou o homem até a porta mesmo, Mocinha? Você fez foi muito bem, sabia? Espero que esse doutorzinho de uma figa não volte aqui é nunca mais, Mocinha! Nunca mais.

Lá fora, raios e trovões continuavam surrando as ruas por onde caminhava, sem proteção, o Dr. Zizyphus – formou-se uma ilha de chuva ao redor do torrencial calor que assolava o chão do sertão cearense.

Beberibe-CE, 13 de Janeiro de 2013.

20h26min

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Nijair Araújo Pinto
Enviado por Nijair Araújo Pinto em 24/04/2013
Código do texto: T4257432
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