O RADIALISTA QUE NÃO PODE BEBER
 
 
Há alguns anos, tive o desprazer de conhecer um “radialista” e político mineiro, mas informo que este exerceu essa façanha, em terra de índio manso. Isso mesmo, porque somente em terra de índio uma mercadoria da sua estirpe pôde chegar aonde chegou. Em Minas, jamais ganharia para síndico em favela, não desmerecendo os favelados, mas porque logo descobririam seu caráter e o colocariam pra correr.
Falante e metido a ser o dono da verdade embora vivesse numa eterna mentira, uma fantasia que somente na cabeça doentia dele era verdade. Casado, mas de péssimos hábitos, do tipo que divide o que tem com os amigos mais próximos, bastava se engraçar com a cara do amigo e já topava... Nos fins de semana o homem pirava, gostava de beber até cair, não sei se pra esquecer sua verdadeira identidade ou como forma de fugir da realidade oprimida em que vivia.
Como político, gostava de contar vantagem para seus pares, sempre portava um litro de whisky Johnnie Walker na mala do carro, certas vezes chegando aos lugares pedia um copo com gelo e lá estava fazendo uma verdadeira lambança com sua garrafa de malte. Em alguns momentos o acompanhei; calma, apenas lhe fiz companhia, não quer dizer que bebia com ele, mesmo porque, confesso, tinha certo receio de um ataque inesperado.
Mas na vida tudo tem um dia, ainda que não quisesse participar de suas noitadas, certa vez fui compelido por força do destino, o homem havia acertado sair com uma das suas namoradas e pediu que eu ficasse com ele, que dirigisse seu carro importado e que, eu seria muito bem recompensado. Como dinheiro é bom e eu estava disposto decidi aceitar.
Lá pelas tantas o homem foi pegar uma namoradinha, uma tal de Paula, pela qual ele nutria uma louca paixão. Até aí tudo bem, isso é normal entre homem e mulher, e porque não dizer entre dois seres humanos, sem importar o gênero, o que importa é o amor.
Agora os três dentro do carro do “radialista” e político, começamos a rodar pela cidade. Com uma caixa pela metade do saboroso malte, de quando em vez parávamos nos postos para comprar gelo, a noite era uma criança. Música a todo volume, gargalhadas, amasso, beijos. Informo que eu apenas dirigia nada bebi.
Depois de visitar alguns bares da sociedade local, e comer alguns petiscos, continuamos a trafegar pelas ruas desertas da cidade. Enquanto eu dirigia e colocava o que havia de melhor da música, Paula, no banco de trás começou a brincar comigo, dizia que iria vedar meus olhos e dava altas gargalhadas. Quando o “radialista” e político também começa a brincar comigo, dizendo que iria se jogar no meu colo e eu não iria conseguir dirigir. Achei estranho seu comportamento, mas como ele estava bêbado relevei.
Continuamos pela noite adentro, lá pelas tantas da madrugada a bela jovem diz que não agüenta mais e quer ir pra casa, que eu, por favor, a deixasse na sua residência. Pedido feito, ordem atendida, apesar dos protestos do “radialista”. Após deixar a moça, então me dirigi a casa do “radialista” o qual no caminho sugeriu que fossemos para um hotel, segundo ele não queria enfrentar a esposa. Mas argumentei a mudar de ideia, me oferecendo para contar uma daquelas mentiras de marido e certamente ela aceitaria. Mas ele insistia em demasia queria ir para um hotel, dizia que queria desmaiar e que eu cuidasse dele. Dei boas gargalhadas, parei o carro e olhando bem sério para ele disse: que a vida dele não me dizia respeito, mas que eu gostava mesmo era de mulher e que, portanto, eu o deixaria em casa e assunto encerrado.
Naquele dia pude comprovar que muitas das histórias que contam por aí a respeito das pessoas que vivem oprimidas em outro corpo são reais, que de fato, são verdadeiros atores no palco da vida, porque a sociedade, embora não admita, mas força o indivíduo a viver aquilo que ele não é. Daquele dia em diante a nossa amizade ficou um tanto delicada, talvez pela rejeição sofrida. Ele não entendeu que eu jamais o discriminaria por tal comportamento, o que eu nunca aceitei dele foi a forma como decidiu ficar rico, roubando o Estado e praticando extorsão sobre pessoas, isso sim é deplorável e Digno de censura.