Uma Visita Singular

- Não por acaso, homem, andam espalhando por aí que você endoidou! Acaso queres que eu acredite nessa estória estapafúrdia? Escute-me bem, para o seu sossego, pare de inventar estes causos que, tamanha as excentricidades, são capazes de corar até mesmo os tipos mais extravagantes.

- Meu caro, compreendo o espanto que, em primeiro momento, causa-lhe ouvir está estória, mas acredite, estou contando-lhe o causo na sua plenitude, nada disso é fruto da minha imaginação.

- Mesmo assim! Custa-me aceitar tais devaneios, não o faço por maldade, que fique claro, mas veja bem...

- Pare! Percebo que, como a todos que confidenciei esta estória, não lhe foi possível superar a incredulidade.

Mais uma vez, em uma tentativa infrutífera, tentava o tal do Carlos convencer alguém, com argumentos pouco cogentes, que ao chegar em casa, após uma noite de uísques e vodcas, encontrara, sobre a sua cama, uma mulher de rara beleza que até então nunca tivera visto.

É evidente que tal acontecimento, em principio, não pode ser visto como algo incomum, pois é sabido que com o dinheiro também podemos alimentar a alma concupiscente. Mas o que torna este caso singular é que, além de afirmar que encontrara, em sua casa, uma mulher que até então nunca havia visto em pessoa, Carlos, de modo convicto, afirmava também que tal mulher, no momento em que exigiu -lhe que se apresentasse, disse-lhe sem reservas que era nada mais nada menos do que a morte. Ora, vemos agora o motivo pelo qual está estória, contada aos demais, causa estranheza. Ontem, quando estava indo rumo ao trabalho, parei, como de costume, para tomar um café e comer um pastel de belém antes de iniciar minha jornada de trabalho. Lá, ocasionalmente, encontrei o narrador deste curioso causo. Relatou- me o ocorrido de modo pormenorizado, fato que me permiti, agora, relatar-lhes da mesma maneira.

Muitos, a fim de procurar algo ou alguém que lhes proporcione um meio de aliviar as mazelas advindas do viver, dirigem-se aos mais diversos lugares: uns vão a igrejas, procuram na religião uma saída para as misérias da vida, outros procuram nos prazeres mundanos algo que lhes possibilite, mesmo que não em definitivo, a possibilidade de livrar-se das dores que lhes acometem. Há também aqueles que procuram no ter, no adquirir, um meio de escapar sorrateiramente das aflições que são intrínsecas a vida e, assim, procuram em shoppings, e em lugares afins, o lugar seguro de que necessitam. Entretanto, talvez seja o bar o lugar mais procurado nestes momentos nos quais encontramo-nos dominados por pensamentos e sentimentos ruins. O álcool, nessas circunstâncias, é um excelente paliativo.

Carlos, no dia em que recebeu uma visita singular, viu-se dominado por uma série de questões que afligiam-lhe o peito e que causavam-lhe profunda tristeza . Tais questões, é bem verdade, não eram daquelas do tipo efêmeras, pelo contrário, a tempos que elas vinham atormentando-lhe o espirito. Como não via na religião, nem nos prazeres mundanos e, muito menos, no desejo desenfreado do ter uma saída para o seus problemas, achou que o único local em que poderia encontrar uma solução para as suas amarguras seria no bar.

No bar, a cada dose de uísque e de vodca novos horizontes eram abertos. Naquele momento, novas possibilidades vislumbrava, estava dominado por falsas esperanças. Não tardou a perceber isso, relatou-me. Tomou consciência de que seus problemas não seriam resolvidos daquela maneira, pois ficou-lhe claro que não seria o álcool aquilo que iria dar cabo as suas aflições. Decidiu, então, partir para casa.

Deixado em frente de casa pelo taxista, dirigiu-se a porta da casa. Antes que pudesse abri-la, um cachorro, que não é seu, mas que alimenta diariamente, pulou sobre a suas pernas. Tal gesto, que era uma clara demonstração de afeto, foi repelido com alguns chutes e impropérios.

Vencida a porta e o cuzco, estava dentro de casa. Dirigiu-se então diretamente ao quarto, pois, uma boa noite de sono, muito ajudar-lhe-ia, pensou. Entretanto, uma grande surpresa teve quando, ao entrar em seu quarto, deparou-se com uma figura feminina deitada sobre a sua cama. Insinuante da cabeça aos pés, tal mulher era de uma beleza incrível, para descrevê-la de forma rigorosa, creio, insuficientes seriam os adjetivos da língua portuguesa, tamanha era a sua beleza.

Sua primeira reação, diante desse acontecimento estranho, foi perguntar-lhe quem era e o que estava fazendo ali. Respondeu-lhe através de uma voz lindíssima:

- Carlos, pensei que não virias para casa hoje!

A voz da mulher causou-lhe uma sensação de espirito demasiado agradável. Somente sentia tal sensação quando escutava Le Quattro Stagioni, de Antonio Vivaldi.

Pasmado, Carlos respondeu-lhe:

- Diga-me, quem é você, como sabes o meu nome?

- Acalme-se! Eu o direi.

- Vamos, fale-me logo! Quem é você é por qual motivo estás aqui?

Com tranquilidade admirável, respondeu-lhe a mulher:

- Eu sou a morte. Estou aqui, pois, sinto que eu sou a única solução para os seus problemas.

Neste momento, Carlos, visivelmente, encontrava-se perturbado. Encontrou o pouco de seriedade que restava-lhe e disse a mulher:

- Você só pode estar louca! O mais sensato a ser feito é a senhora ir embora.

- Acalme-se, acalme-se! Estou no pleno domínio das minhas faculdades, não sou nenhuma louca. Sou a morte e vim hoje aqui ajudar-lhe a dar fim aos seus problemas.

As palavras da estranha surtiram efeito, talvez em função do tom de voz doce que lhe era próprio, e, Carlos, a fim de compreender melhor o que estava se passando, tornou-se a ficar calmo. Com voz baixa disse:

- Tenho que parar de beber! Estou enlouquecendo...

- Não, você não está ficando louco, tudo aqui é real. Agora, deite-se! Vamos conversar mais a vontade. Seus problemas, hoje, serão resolvidos, creia!

- Ficarei bem nessa poltrona! Agora, diga-me, por qual razão achas que você, a morte, é a única solução para os meus problemas?

- Pois bem, como bem sabes, família já não tens, os amigos lhe faltam e o amor não bateu-lhe a porta. Sendo assim, vives em completa solidão, sabes o quão isso lhe é fonte de tristeza. Ademais, o trabalho não proporciona-lhe prazer algum, sei que é por mera insistência de sua parte que suportas, ainda, aquele sórdido patrão. Sua existência, Carlos, é vazia. Deite-se, e seus problemas acabaram, garanto-lhe!

Carlos, após ouvir da mulher aquilo que, sem dúvida alguma, já sabia, disparou:

- É bem verdade que não possuo família, que não tenho amigos e que não tive sorte no amor. Concordo, também, que o trabalho não me é fonte de prazer. Mas nem por isso minha vida é vazia, como dizes, há aí fora um cão que muito me quer bem!

- Qual? Aquele que, ainda pouco, fora repelido a chutes por você?

- Deixe isso pra lá, foi coisa de momento!

A morte, então, soergueu-se sobre a cama e disse:

- Vamos, deite-se, nem o cão, após as pancadas que recebeu, se importa mais com você! Não há mais nada a se fazer por aqui.

Carlos, diante desta outra verdade, exclamou:

- Com essa, foi à terceira vez que me chamas a cama! O que acontece caso eu aceite o seu convite?

- Os seus problemas acabam! Saíras voluntariamente da vida.

Com ar cogitabundo, essas foram as únicas palavras que saíram-lhe da boca:

- Em hipótese alguma, então, deitarei neste leito! Será a poltrona minha cama esta noite.

...

Foi esta à curiosa estória que o tal do Carlos andava a contar, se é digna de crédito, não sei. Fato é que, se houver alguma verdade nela, não erraremos em dizer que muitos não resistiram ao encanto da mulher que visitas singulares costuma fazer. Muitos foram para cama com ela.

Rafael Oliveira, Florianópolis 2012.

RAFA PASSANT
Enviado por RAFA PASSANT em 14/04/2013
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