O causo do homem
O homem entrou no pátio da casa e por ali ficou. Foi a Dona Anja quem viu e ficou aguardando os acontecimentos. Estranhou o fato porque ali, naquela casa velha, ninguém entrava havia muitos anos e o mato tomava conta de tudo. Era um completo abandono.
A casa tinha sido do jagunço Angelin e após a morte dele naquele fatídico dia no cemitério a esposa tinha pegado os filhos e deixado tudo para trás. Saiu só com a roupa do corpo, para destino incerto. Ninguém nunca soube dela e das crianças.
Fazia muito tempo que a casa fora abandonada e as trancas enferrujaram, a pintura descascou e ninguém tinha coragem de por os pés ali. Talvez porque fosse do Angelin, ou talvez porque fosse que a esposa tinha sumido, enfim, ela tinha uma aura assustadora.
Provavelmente aquele homem, que agora lá estava não sabia de nada. Nem de jagunço, nem de abandono, nem de nada. Usava uma capa preta, por causa do frio cortante e um chapéu que lhe cobria o rosto. Deixou o cavalo amarrado na cerca e entrou no pátio como se fosse o próprio dono.
Para a Dona Anja pareceu-lhe o Angelin e um arrepio percorreu sua espinha. Lembrou-se do tempo que ele vinha ver a mulher a cada 15 dias, e nesses dias a vida se renovava naquele lugar. Flores abriam-se, frutas amadureciam, os dias eram ensolarados e as crianças brincavam no pátio mais que nos outros dias. A vinda do Angelin era o próprio amor chegando.
O homem abriu uma pequena sacola que estava debaixo da capa e pegou uma chave grande, antiga, gasta. Foi para a porta de entrada e lá ficou um bom tempo até que enfim conseguiu abrir e entrou.
A vizinha, que nada perdia e cujo hálito embaciava o vidro, ficou tensa com a invasão. Chamou o marido para que este fosse buscar o delegado e para que tirassem a história a limpo, mas o marido ficou tão arrepiado quanto a Dona Anja. Dizia que se não tivesse visto o Angelin morto, tinha certeza que era o próprio que estava ali, de volta.
Foi quando aconteceu que as flores se abriram em pleno inverno, nas árvores secas e sem cuidados daquela casa havia frutos maduros e então um enlevo de amor fez a Dona Anja e o seu marido escutarem os gritos das crianças de tantos anos atrás. E eles apertaram os olhos, porque foram capazes de vê-las em seus folguedos infantis. E viram também a esposa do Angelin de braços abertos na porta agora aberta por aquele homem.
Tomados de urgente amor juvenil, Dona Anja e o marido fizeram amor ali mesmo e lembraram que quando o jagunço chegava, eles se amavam mais que nos dias que ele não estava. E o verão brotou depois de tantos anos.
Quando terminaram e se abraçaram e se beijaram, lembraram também tudo o que tinha sido deixado para trás. Foram interrompidos pelos soluços que vinham da casa velha, um choro tão doído e sofrido que se ressentiram do que tinham feito e foram para fora ver quem era, conhecer o homem que havia aberto todas as portas e janelas da vida e que reacendeu o amor.
Mas não havia cavalo amarrado na cerca, tampouco as flores abertas e frutas maduras.
Havia um grande vazio e a tranca continuava intacta sem marcas recentes e nem pegadas no pó da varanda.
Não havia nada, como nunca houve.