SONHO MORTO

Sonho morto.

Tem 87 anos. Está viúvo e possui apenas cinco por cento da visão. Apesar disso, tem saúde, sua memória é perfeita , e pelo visto ainda tem desejos... e vontade de viver, de recomeçar. De uns tempos para cá deu para lembrar da Amália, sua namorada de adolescência. Soube que ela havia ficado viúva e usando de artifícios adolescentes conseguiu entrar em contato ... sim, ela lembrava bem dele ... claro! Poderiam conversar ... também tinha saudades daqueles tempos ... E ficaram nesse flerte ... ligações de lado a lado, algumas visitas de parte a parte ... ele comprou um relógio para ela (isso escondido da filha, que já se inquietava com a situação) ...queriam assumir o namoro, quem sabe uma possível união.

Ela ainda nova ... 68 anos recém completados, ele praticamente cego, tendo na memória a bela jovem que conhecera há mais de cinqüenta anos ... tudo levava para uma velhice gostosa de ambas as partes, com carinho, ternura e um companheirismo que filho nenhum, com sua própria vida, poderia proporcionar. Mas, filhos são egoístas por natureza... e nesse caso, juntou ainda o medo do envolvimento material, do estar em jogo bens de família ... e como na lei do mais forte, vieram imposições, represálias ... telefone cortado ... idas a casa da amada proibida ... brigas ... Ele sem poder locomover-se com autonomia, depois de cansado de brigar, aceitou (temporariamente, decidiu) aquietar-se. Esperar a poeira baixar, afinal, não tinha mesmo escolha ... Aquietou-se ...agora passa os dias pensando nela, sozinho (a família trabalha, estuda e só volta a noite) No decorrer do tempo vai perdendo o viço, o brilho no olhar que há muito não enxerga, vai se apagando, seus sonhos minguando conformado pela falta de opção/liberdade. E silenciosamente vai se entregando a outra que lhe ama: a Morte!

Ana Janete
Enviado por Ana Janete em 08/04/2013
Código do texto: T4230882
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.