Na hora da morte

Já no leito, quase morrendo

ele resolveu confessar.

Pra sua mulher foi dizendo,

baixinho, a balbuciar,

um pecado muito horrendo,

precisava dele se livrar.

_ Me perdoe, minha querida,

mas nessa hora derradeira,

em que jaz a minha vida,

minha amiga e companheira,

vou lhe contar a minha traíção.

Foram três, e a primeira,

preste muita atenção,

com quem que ela se deu:

foi com a nossa lavadeira,

aquele corpo todo foi meu.

A segunda, foi com a atendente

que trabalhava na padaria do Alfeu.

Eu confesso prontalmente:

aquele corpo todo foi meu.

A terceira, quando mudamos

e viemos aqui pra Capital.

Foi com a esposa do Ramos,

depois me senti muito mal,

minha consciência doeu:

mas aquele corpo todo foi meu.

E você, pode me contar,

alguma vez me traíu?

Pode me confessar,

afinal, eu fui tão vil...

Quero morrer sossegado,

ir em paz para o além.

Me sinto tão aliviado

e perdoado, também.

E a mulher, timidamente,

e murmurando bem baixinho,

lhe disse que realmente,

também dera o seu pulinho.

_ Se lembra que bem em frente

da nossa casa, queridinho,

ficava todo imponente,

todo garboso e brejeiro,

o quartel dos Bombeiros?

Foi só uma vez, que se deu:

Mas aquele Corpo todo foi meu...