O Pobre Feliz
Numa pequena cidade ribeirinha do São Francisco, onde morei na década de 80, achava-me no dever de conhecer todo o município, por trabalhar num banco que já havia sido considerado como “o maior banco rural do mundo”, o Banco do Brasil. Naquela época a sua função primordial eram os investimentos rurais, objetivando fomentar a agricultura.
Mesmo nos finais de semana, por conta própria, fora do exercício da função, procurava conhecer alguns lugarejos. Tinha a informação de um povoado, onde a natureza lhe foi muito pródiga, presenteando-lhe com uma fonte permanente de água, a ponto de o verde ali imperar durante todo o ano, independentemente de ser estação de inverno ou verão.
Num belo sábado, preocupado com os constantes planos econômicos do governo, inflação galopante, levando aos habituais cortes dos três zeros a cada mudança de moeda, para não parecer que os milhões só valiam um tostão, resolvo refrescar a cuca, indo até aquele lugarejo que mais parece um oásis no deserto.
Logo na chegada, ainda na periferia do povoado, vejo uma humilde casinha e na frente uma árvore bastante frondosa, onde o dono armara a sua rede e ali, deitado, dava boas pitadas em seu cigarro de palha, sem demonstrar nenhuma preocupação com a vida. Nada de pensar em inflação ou naqueles planos do governo que nunca deram certo. A nossa moeda, antes do real, era uma verdadeira desmoralização, quando comparada com outras.
Tive a curiosidade de conhecer um pouco do seu estilo de vida, diante de sua afirmação de que “era um homem muito feliz”. A inflação para ele pouco importava.
Ainda praticava o escambo, a troca de um produto por outro. Dizia não ter necessidade de ir até a cidade para fazer sua feira.
_ Aqui eu crio galinhas, porcos, carneiros, bodes e umas duas vaquinhas que me garantem o leite e o queijo. O que eu não tenho vou ali na mercearia e troco pelo que tenho. É assim o meu comércio. Quando abato um animal maior, vai um quilo pra isso outro quilo para aquilo e faço tudo aqui na base da troca. Da cidade mesmo eu só gosto é da procissão do Bom Jesus dos Navegantes. Vou na balsa aonde vai a imagem e a banda de música, vendo toda aquela animação do foguetório a cada “viva Bom Jesus”.
E encerrou o seu palavreado, assim dizendo para mim: “meu filho, se na terra existe um paraíso, ele está aqui. Moro no melhor lugar do mundo, pra que sair por aí afora onde é pior do que aqui?
Cada um tem seu tipo de felicidade. Aquele homem dizia-se muito feliz. E o seu gesto não era apenas de “parecer”, era realmente um homem feliz.