O CUMPADRE E A CHIBATA
Ninguém consegue discernir o tempo. O tempo parece aquele bandido invisível que te rouba, de segundos em segundos, o que lhe resta de vida.
Também, tudo muda. A casa simples dos avôs é destruída como se fosse nada, para construir um imenso prédio, cimentando as poucas lembranças de alegrias ali vividas.
O antigo caboclo, tirador de duas tarefas, alimentador de muita gente; hoje, um velho doido, abandonado pela família; aceito pela Vila por causa da aposentadoria.
As novas tecnologias, aliciadoras de uma suposta vida sem esforço, virtual e sorrateiramente, são coligadas do tempo, eliminando o caboclo e tirando a poesia do ser.
- Mais qui clamura é essa cumpade?
- Uai, minha fia de novo.
- Que qui foi dessa veiz?
- Levô a veia pra cidade e mando eu vendê essas terra que num dá mais lucro. Diz qui num vorta qui mais não.
- Sacanage, hein cumpade?
- Foi no cabo da rabuda que istudei ela.
- Antão...
- Esse povo moderno acha quinóis é tudo gaiola...
- Qui inxada é pio qui cobra cascaver...
- Qui tudo nóis pode prendê nas iscola...
- Qui cumida brota nos paper...
- Esse povo moderno num tem sentimento...
- Vive apertano Butão...
- Vive prucurano tempo...
- Vive na contramão...
- Esse povo moderno se acha isperto...
- Só gosta de ficá...
- Quiném areia do deserto...
- Só ispera o vento levá...
- Esse povo moderno não tem história...
- Vive correno atrais do ganho...
- Quando busca a memória...
- Só acha no sonho...
Tudo um vazio sem fim
Como se no lugar da enxada, tivesse uma chibata invisível, a chibata do consumo. Talvez a mais doída, talvez a mais amiga do bandido tempo. Acelera a vida.
A chibata do consumo não dá tempo para uma gargalhada, tão escutada nos tempos da enxada.
A chibata do consumo não dá tempo de cuidar de um filho, imagine de um pai?
A chibata do consumo...
JOSÉ EDUARDO ANTUNES