SEBO NAS CANELAS
Claro que assombração existe, mesmo!
Basta que o cidadão acredite, e principalmente, que tenha medo da coisa!
Um grupo de rapazes voltava para casa, a cavalo, depois de um baile numa fazenda vizinha, pela madrugada. Tinham que passar por uma mata cerrada, uma ponte num córrego, depois havia uma porteira na saída de uma cava, onde diziam ser ali um lugar em que sempre aparecia alguma “marmota” meio esquisita, aos pés de um cruzeiro aonde as pessoas costumavam rezar, ora pedindo chuva, ou para curar bicheira no gado, além de outras coisas mais. As pessoas tinham uma certa prevenção com aquele lugar, evitando passarem por ali à noite, quanto mais de madrugada. Pois bem, eu dizia que eles voltavam por aquele caminho, já tinham bebido bastante, faziam uma farra das boas. Unidos, ninguém tinha medo, nem admitia qualquer receio, embora todos sentissem um certo arrepio.
Ninguém deu pela falta do Otávio, que a pretexto de “aliviar-se” no mato à beira do caminho, havia se separado, prometendo alcança-los mais adiante. Porém, tinha arquitetado um plano em sua cabeça, visando passar um susto nos colegas. Conhecia um atalho. Ele chegou antes dos outros ao local, amarrou seu cavalo por perto, meio escondido, subiu na cruz vestido com uma capa de boiadeiro, preta, pegou uma cabaça grandona, em que tinha feito alguns buracos simulando a boca e o nariz de uma pessoa, onde acendeu uma tocha de panos velhos, embebidos em uma resina retirada de um páu de óleo, abundante na região. Ali ficou aguardando a chegada dos amigos, sorria só de imaginar o quanto ficariam assustados com a sua “esparrela”.
- Gente, olha só aquela marmota lá em cima da cruz, hein! – disse Alfredo, o primeiro a notar aquela coisa estranhíssima.
- Noooossinhooooraaaaaa! Credo em cruizzzzzzzzzzzz! – bradou Wilson, lívido, e já jogando o seu cavalo à galope no sentido contrário.
A maioria ficou estática, ninguém queria admitir que estava com medo daquilo, até que o Otávio resolveu sair da sua imobilidade, e começou a fazer ruídos muito extravagantes, agitando-se prá lá e prá cá, de lado, equilibrando-se lá em cima. Acontece, que ao queimar dentro da cabaça, aqueles panos foram caindo ao chão, onde continuavam em chamas, iluminando o local. Então, olhando mais atentamente, Joãozinho percebeu que aquilo era uma presepada e falou bem alto, aos amigos:
- Tudo bem, que aquele de cima é muito feio, só que o outro de baixo é muito mais, hein! – referindo-se ao fogo que começava a se alastrar no mato próximo da cruz.
- Muito mais, com certeza! – garantiu Gilberto, um dos mais sóbrios ali.
- Vamos fazer o seguinte: nós temos que passar é aqui mesmo, não tem outro jeito. Eu proponho que um de nós vá abrir a porteira, o trem tá lá em cima, e não há de descer tão logo! Eu mesmo vou! – sugeriu o Tonho, mais corajoso, e que não acreditava muito nessas coisas do além.
Foi dizer e fazer. O rapaz raspou a espora no “suvaco” do sestroso cavalo, passou ligeiro pela cruz, e abriu a porteira aos colegas, que passaram voando também. Só que o Otávio, coitado, se deu muito mal, porque o seu cavalo acabou saindo do esconderijo, e foi juntar-se aos demais que corriam logo à frente, deixando-o à pé no meio do mato, correndo desembestado, pois ficou com medo do que havia aos pés da cruz. Nem tinha olhado direito o que era, tratou foi de botar sebo nas canelas. Cebesta, sô!