OS ÓCULOS RAY-BAN VERDES
OS ÓCULOS RAY-BAN VERDES
Um seca medonha no Ceará, como sempre acontece. Mas esta estava fora do gibi, como dizia "seu" João Quebra Queixo. Em todo o Estado, segundo notícias recebidas pelo Correio, não tinha caído uma gota d'água sequer. Coisa nunca vista. Parecia que Deus e todos os santos estavam querendo castigar o povo todo pela folia dos maus. "Seu" João dizia: - Só pode ser, o ditado não diz que o justo paga pelo pecador. Deve estar acontecendo isto...Todos os açudes já haviam secado ou estavam secando. O sol era inclemente. Tostava até toucinho de porco que se transformava em torresmo, sem necessidade de frigideira ou caçarola. Já havia passado o dia de São José, 19 de março, última esperança dos nordestinos. Não choveria mais, dizia "seu" João na sua velha experiência.
"Seu" João Quebra Queixo tinha umas 10 cabeças de gado, quase nada, mas das vacas tirava o leite para sua família, inclusive para os filhos que ainda estavam nos cueiros. Estava muito triste, sorumbático, taciturno, casmurro sentado no batente de sua casa, rezando e orando a Deus que lhe mostrasse um meio para salvar seu gado e sua família. Ao mesmo tempo chorava e pedia clemência para algum pecado que houvesse cometido, mas salvasse pelo menos as criancinhas que ele criava com tanto carinho.
Nestes pensamentos, de repente, veio-lhe um estalo no quengo ou cabeça (como aquele estalo que deu no Padre Antonio Viera, o português, quando ia fazer certo dia um sermão no púlpito da igreja). Neste estalo, ele pensou e disse: - Vou colocar nas minhas reses, em todas elas, já sabemos que eram dez, óculos ray-bans verdes. O gado pensará que tudo é uma verdura só e comerá até pedra. Ele mesmo fez
as armaduras dos óculos, com cipó de marmeleiro, e colocou papel celofane verde. Pronto. Estavam feitos os óculos. Pôs nos olhos dos animais e amarrou com embiras ao redor do pescoço. O gado saiu comendo tudo quanto era de folha seca de marmeleiro, mofumbo, pau ferro e de outras árvores. A água ele tirava dos cáctus. Era tanta água que escorria pelas beiradas das gamelas. Os meses passaram e chegou o mês de dezembro e o gado de seu João Quebra Queixo escapou mais gordo do que rico quando come muito chocolate. A família também ficou sadia e gorda. Foi justamente em dezembro e justamente quando começou o inverno seguinte. Estava tudo sanado, tudo bem. "Seu" João Quebra Queixo gritava:
-Louvado seja Deus e bendito os óculos RAY-BANS.
"Seu" João diz que o fato é verdadeiro e se passou bem pertinho de 1940, em plena Segunda Guerra Mundial.