Histórias de Seu Hugo 2 - No ruinzinho e No boinho...

Em uma das suas visitas, meu sogro, Seu Hugo, disse que queria ir a algum lugar onde pusesse dançar. Algum bar dançante ou coisa do gênero. Eu matutei, matutei e lembrei-me de um bar bem badalado, na época, chamado “Pernambucanamente”. Um point onde tocavam desde o forró pé de serra ao rock. Seu Hugo aceitou a indicação e foi logo me dizendo: “Vou mostrar como se dança”. O cara era gabola, com o seu tradicional sapatinho bicolor, camisa de linho e perfume importado. Cheio de si. Não perdia uma oportunidade quando o assunto era música e ou dança, sabia viver esses tipos de ares.

No sábado, logo pela manhã, ele já estava aprontando os apetrechos de dança e conquista. É, conquista. Não deixava passar qualquer oportunidade. Nos seus quase oitenta anos, se sentia e se portava qual a um rapaz recém-saído da puberdade, embora seus verbos sempre se apresentassem no passado, e, geralmente, no pretérito mais que perfeito. Contava das artimanhas e das aventuras, todo prosa. Por vezes, falava de revés e sempre em forma de piadas, era muito bom nisso.

Chegada a hora, fomos eu, minha esposa e Seu Hugo ao tão badalado lugar. Um bar a beira-mar de Olinda. Estacionamos. Seu Hugo, olhando de lado, fazendo a “varredura” do local. Entramos e escolhemos uma mesa afastada que, segundo ele, seria ideal para apreciar melhor e sondar o ambiente. Vê se pode? Era cheio de “estratégias” quando se tratava desse meio festivo. Mal chegamos, ele se aproximou da minha esposa e disse bem baixinho: “Filha. Tais vendo aquela mesa no centro desta fileira?” Minha esposa disse: “Sim. O que é que tem ela”. E Ele: “É que estou com a vista cansada e tenho medo de chegar lá e pedir para dançar com um travesti”. Minha esposa informou a ele que haviam três mulheres sentadas junto aquela mesa e que todas eram de meia idade. O Velho levantou-se, se dirigiu a uma delas e pediu para dançar e começou a jogar conversa num sussurrar... Passado alguns minutos, ele voltou e me disse: “Mas vê só. Dei uma cantada naquela ali e ela disse que não se envolvia com ninguém no primeiro encontro”. Fiquei calado. Aguardei um momento quando a música parasse, para saber melhor sobre o que ele conversou. Quando a música parou e olhei de lado, estava a garota que ele havia dançado, escorada, ou melhor, “encurralada” na parede aos amassos com um cara que ela acabara de dançar. Não perdi tempo para tirar um sarro com a cara de Seu Hugo, e disse: “Olha o estado da santinha que o senhor dançou. Dançou mesmo”.

Irritado ele saiu da mesa e foi pro meio do salão. Eu e a minha esposa fomos dançar e procurar o pai dela, ao mesmo tempo. Dançamos, dançamos e nada de Seu Hugo. Ficamos preocupados, fomos até a mesa para vê se ele havia retornado. E nada. Quando nos sentamos vimos a coisa mais engraçada da minha vida. Seu Hugo, que era de uma finura, tão magro e esguio, dançando com uma mulher que parecia um tanque de guerra, tão gorda que quando girava, nos passos da dança, Seu Hugo sumia. Parecia aquele facho de luz de um farou que aparece e some quando gira.

Aguardei ele voltar para mesa para brincar com ele novamente. Quando ele sentou eu perguntei: “Aí, meu velho. Só consegui aquela ali, foi?”. Ele retrucou: “Meu caro, temos que ser bom em tudo. No ruinzinho e no boinho”.

Inaldo Santos
Enviado por Inaldo Santos em 24/02/2013
Código do texto: T4157963
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