UM HOMEM FURADO

Zefa cozinheira de mão cheia conquistou o peão Bento, mas não pela boca, com suas deliciosas quitandas, pois seu melhor tempero era outro. O que acontecia é que enquanto cozinhava ia cantarolando e o remelexo das ancas vinha junto, fazendo a grande colher de pau acompanhar seu ritmo enquanto mexia os tachos borbulhantes. Era aí que os olhinhos de Bento luziam.

Rapidamente veio o casório e Zefa paria com a mesma destreza que cozinhava. O último dos seus onze filhos, e neste caso, cabe bem a expressão, “a rapinha do tacho”, foi Gervásio.

Não se sabe porque o seu leite secou e o menino teve que ser acudido com o leite de vaca. Foi insuficiente, o pequeno, magrinho, continuava a berrar. Zefa então começou a lhe dar caldinho de feijão, mas o choro só cessou quando amassou tudo o que tinha nas panelas fazendo uma sopa grossa, que era engolida às mamadeiradas.

Assim cresceu Gervásio, conhecido pelo apetite voraz, sempre com cara de menino, mas forte como um touro. Isto lhe facilitava arrumar trabalho, onde necessitavam da força de dez homens ele dava conta sozinho.

Certa vez fora chamado para prestar serviço ao doutor Quinzinho. Tomou o desjejum, e saiu bem cedo. No caminho parou em três casas de conhecidos e pediu para tomar um leitinho, a bem dizer, um “baldim” dele.

Chegando à fazenda encontrou Quinzinho feliz apreciando a Rosinha, uma vaca da melhor qualidade, sua mais nova aquisição, capaz de produzir vinte quilos de leite. Gervásio ficou encantado com aquela formosura toda!

Sabendo de sua fama, o doutor quis se divertir um pouco e lhe lançou uma aposta. Caso conseguisse tomar todo o leite de Rosinha, ficaria com ela. Gervásio lambeu os beiços e topou. Alguns peões foram chamados e a ordenha começou.

Os baldes iam sendo sorvidos um atrás do outro. Os peões faziam torcida... “vai homi, continue!”, ao que ele respondia... “eu vô, podi-mi dá qu'eu vô!”.

Quinzinho começou a suar frio, não acreditava no que via. O danado parecia furado, para onde ia aquilo tudo? Era o último balde, mas Gervásio parou na metade. Aliviado o fazendeiro tocou-lhe no ombro e disse:

- Então rapaz, não aguentou o último!

- Ô dotô, é qu'eu quiria lhi pedi um favô, mais tô mei sem jeitu...

- Diga, você merece, o que quer?

- Será quiu sinhô num teriaí uma farinha di mio pr'eu misturá nesti restim aqui?...

...Depois de terminado o serviço lá foi ele levando a Rosinha embora.

No dia seguinte, como não sabia ordenhar, pediu ao pai que lhe ensinasse. Velho como já era, esqueceu-se de falar que precisava amarrar as patas traseiras do animal.

Gervásio, tentando pegar o jeito, já estava quase enchendo o primeiro balde quando a vaquinha o derrubou com uma patada. A mesma coisa foi acontecendo sucessivamente até que ele perdeu a paciência. Segurou a cabeça dela e gritou:

“Ói aqui, ocê podi sê mais isperta do qu'eu, só qui mais forti num é não, i isso é procê aprendê!”

Desferiu- lhe um murro que fez a bichinha arriar na hora.

Quando Rosinha conseguiu de novo se manter de pé, levou-a ao doutor Quinzinho com um baita galo entre os chifres, e explicou:

- Doutô tom'ela di vorta, nóis num si demo bem!

E dizem que esse causo é de verdade verdadeira.