A CURVA DO BOLO
 
      Meu pai tinha um táxi. Sua firma havia falido e ele, com o dinheiro que lhe restou, entrou no negócio como meio de sobrevivência.
     Para ele, ter perdido o status que possuía antes da falência foi motivo de grande desgosto e, de vez em quando, afogava suas mágoas nuns copos de cerveja. Nessas ocasiões, ele recolhia o táxi à garagem mais cedo e ficava em casa até o dia seguinte.
   Como ele era muito educado e gentil com os passageiros, conquistou clientes fixos e, entre eles, havia uma senhora que fazia bolos para fora.
      Num final de tarde daqueles em que ele estava indo para casa se curar dos tragos a mais, recebeu o chamado da freguesa dos bolos; ela precisava entregar o bolo que fizera para uma festa de aniversário.
       Ele tentou recusar, disse que não estava muito bem, mas ela insistiu que só confiava nele para tal serviço e então ele concordou. Pegou a freguesa com o bolo e rumou para o destino que ela indicara.
      Mas, no meio do caminho, não havia uma pedra como a do Drummond e sim uma curva bem fechada, de quase noventa graus, que beirava uma rampa de acesso à praia e ele, talvez pela falta de reflexos que o álcool ingerido causava ainda em seu organismo, não teve a habilidade necessária para completá-la corretamente e deu uma subidinha no meio-fio, coisa pouca...
      Para ele e para o carro não passou do susto, mas para a freguesa que segurava o bolo no colo, com todo amor como se segura um filho recém-nascido, foi um estrago. O bolo, simplesmente, soltou-se de suas mãos com o solavanco e parou em seu rosto. O que aconteceu é de se imaginar, mas pulo essa etapa...
     Daí em diante, para nós, aquela curva passou a ser chamada de “curva do bolo” e nos serve de referência – é perto da curva do bolo, segue até a curva do bolo – além de ser motivo de risadas.
      A curva continua lá, mas ele hoje não está mais entre nós para rir do episódio... nunca mais passará por ela.

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RJ, 14/02/13
não aceito duetos, por favor