O “SR. COISA”
Às vezes é bom ouvir o que as pessoas contam. Certo dia, estava eu sentado no banco da praça e lembrei-me de um fato acontecido, nos meus tempos de criança.
Era mais ou menos vinte horas, eu e meu amigo chamado Lélis estávamos conversando quando seu pai pediu que ele desse um recado a um senhor, de nome Tomaz, mas com um apelido de “Tartaruga” ou outro animal do mesmo reino.
Tinha este apelido pelo fato de ser um senhor não muito idoso, mas com seus cabelos brancos. Media mais ou menos um metro e meio. Tinha olhos grandes, sempre andava de termo e gravata, cabelos brancos bem penteados e com uso de algum produto que não me recordo, mas que afixava seus cabelos bem firmes na cabeça. Deveria ser um tipo de gel. Barba bem feita, sapatos engraxados, cinto de couro e usava uma pequena bengala, não por sua idade, mas talvez um hábito da moda de seu tempo. Muito comunicativo, mas muito nervoso e brigão.
O pai do Lélis pediu que falássemos com o Sr. Tartaruga sobre um carreto que não seria no dia seguinte, pelo motivo de seu caminhão estar estragado. Lembro-me de suas palavras:
_ Meninos, vão até a casa do “Seu Tomaz”, transmita o recado e diga para me desculpar, porque assim que arrumar o defeito do caminhão vou fazer o serviço para ele. Entenderam? Por favor, não o chamem pelo apelido, porque ele xinga, briga, bate em vocês com a bengala, chama a polícia e ainda vem na minha porta fazer a reclamação de vocês. Chamam-no pelo nome de Sr. Tomaz.
Estas foram as palavras dele.
Saímos. Corríamos, andávamos devagar, brincávamos de pique e começamos a fazer uma pequena apresentação:
_ O Sr. Tartaruga está? Ou melhor, o Sr. Jabuti está, o Sr. Cágado, o Sr. Onça, o Sr. Leão, o Sr. Pato... enfim, vários nomes e ríamos entre nós.
De tanta euforia, no mesmo instante chegamos até a casa do Tartaruga. Fizemos um pouco de hora, ajeitamos para falar. Em nossos lábios, eram só risos. Não conseguíamos ficar sérios. Um olhava para o outro e já era motivo de risos. Caminhávamos para o outro lado e eu dizia para o Lélis para bater á porta e ele dizia que seria eu. Risos... mais risos... até que a coragem chegou.
Não fui eu, mas o Lélis bateu com tanta força e no mesmo momento a porta se abriu.
O nosso susto foi grande, porque de imediato aquela figura descrita apareceu. Seus olhos muito grandes, sua boca bem fechada, a bengala na mão, o terno preto, de gravata vermelha e um lenço branco no bolso do paletó. Em sua mão um jornal ou uma revista e com uma voz muito forte disse:
- O que vocês querem? Sejam rápidos e rasteiros porque meu tempo é muito curto, aprecio a noite ler, com meus ouvidos escuto o rádio, com meus olhos vejo o que se passa na rua, com minha bengala bato em crianças mau educadas que batem em minha casa a esta hora...
Não sabíamos o que fazer. Nós dois, de frente com aquela figura. A vontade era de rir, de gritar, de correr, de ficar parado e não sei mais nada.
Naquela cena, não restou mais nada, então dizemos juntos, tão juntos que jamais uma orquestra tocaria bem afinada. Esquecíamos o nome do indivíduo e do recado e não nos restou dizer:
- O “ Sr. Coisa” está ai?
_ O “Coisa” sou eu, respondeu com tanto ódio e com uma voz bem forte, que parecia um trovão. Ele armou a bengala para o nosso lado, deu-me uma bengalada que passou bem próxima de meu nariz. Não restou outra coisa a não ser correr e muito. Quanto mais corria ele estava bem atrás de nós e ainda com um cachorro preso a uma coleira e gritava para o cachorro nos pegar.
Corremos tanto e chagamos em nossas casas, porém o recado não foi dado e a notícia espalhou pela cidade. Tanto eu quanto o Lélis ficamos de castigo por uma semana, sem andar de bicicleta.
Um dia mostrando o retrato de uma tartaruga pude contar para meus filhos e até hoje não esqueço: O “Sr. Coisa” sou eu.