HISTÓRIAS DO SERTÃO - A mulher de branco e a botija encantada
- Lá pras bandas do açude tem visage! Ora se tem! Eu mermo já vi com eche zói que a terra há de cumê!
Era assim que o seu Alfredo começava a contar uma de suas histórias. Aí o povo se acomodava em riba das sacas de farinha pra ouvir relatos de aparições, almas penadas e botijas. Cabras como João Caboco, acostumado na lida com o gado, pegador de boi brabo, até onça já enfrentou, ficava assim com os olhos arregalados.
- Cum visage num tem cristão que se acostume! Tenho medo até de pensar em ver alguma marmota dessas aí. Prefiro inté enfrentar uma vaca parida! – dizia sussurrando.
- Ô Rita, minha véia, traga mais um cafezim que é pru mode eu contá essa história, que hoje minino vai se mijar na rede.
Êita! Essa era a deixa! Aí o povo ia se achegando, se acomodando em riba dos surrões, das selas, dos tamboretes, das cangalhas e onde houvesse lugar, tinha gente com os olhos esbugalhados para ouvir as histórias do seu Alfredo. Tomou um gole de café quente fumaçando, uma pitada no cachimbo e continuou:
- Teve uma vez, que eu fui de madrugada lá pras bandas do açude, pru mode precurá um burreguim que tinha se perdido. Aí quando cheguei lá, tinha uma muié toda de branco, saindo de dento do açude! Me arrepiei todim, ôxente! Eche meu cavalo aí num me deixa mentir. – apontou pro cavalo melado que pastava em riba do monturo.
- Ave Maria, é a Mãe D’água! – ouviu-se uníssono.
– Pois intão! Entonce a muié toda de branco me olhou assim mêi atravessada. Num sei se era a Mãe D’água, pois num deu pra ver direito, pois inda tava escuro que só o breu. Aí eu pensei “que diacho essa alma penada quer cum eu?” Foi quando ela falou assim, sem falar com a boca, e diche pra eu ir lá no mêi do açude, pois tinha lá uma botija encantada.
Ouviu-se um breve silêncio e o povo se entreolhou esperando a sequencia da história, quando entrou dona Rita com a garrafa de café, perguntando logo de supetão:
- Ôxente seu Alfredo, que diacho de história é essa de se encontrar com uma muié de madrugada lá na beira do açude?
O seu Alfredo ficou pálido, ensaiou uma tosse, gaguejou cheio de mãos.
- Ôxente digo eu! Lá vem tu com eche negóço de ciumêra! Tu tá cum ciúme de alma penada? Tá cum ciúme da Mãe D’água? Eu tô aqui contando uma história duma visage que apareceu lá no açude.
- Mãe D’água coisa nenhuma, seu Alfredo! Só pode sê coisa daquelas raparigas lá do Cabaré da dona Maria Cheirosa! Tudo se fazeno de Mãe D’água pru mode pegar os hôme casado! Eu tô é acordada! Visage coisa nenhuma! Eu sei muito bem que botija é essa! – disse a dona Rita de dedo em riste.
- Pois num vai tê história marnão! Ôxente! – o velho se levantou num ímpeto, chutou a lata onde ele de vez em quando dava uma cusparada de fumo. – Vô é dormir que amanhã tem muito o que fazê lá no roçado e eche negóço de ciumêra já me encheu! Onde já se viu, a muié tê ciúme dum cabra véi como eu, inda mais cum alma penada! Ôxente! Marminino!
Êita que o povo ficou todo encolhido num canto. Nos dias que se seguiram, era só do que o povo falava. E a história aumentou mais ainda quando uma vez flagraram o João Cabôco se abufelando com uma das raparigas da dona Maria Cheirosa justamente lá no lajeiro perto do açude.
Mas isso já é uma outra história.