Raffles, o ladrão da meia-noite
Na pequena cidade de Pimenta estava para acontecer um
evento muito esperado por todos os seus habitantes. Uma festa
de aniversário de quinze anos da filha de um dos fazendeiros mais
ricos da região. E como se não bastasse tanto dinheiro, a herdeira
era também muito formosa e um excelente partido.
Todos os pimentenses, principalmente os adolescentes, estavam
esperançosos de ser convidados.
Depois dos convites distribuídos, algumas pessoas ficaram de
fora do grande acontecimento. Um grupo de garotos que andava
junto frequentemente, conhecido como Turma da lagoa, teve
somente um deles convidado.
Como os rapazinhos eram muito unidos, tentaram de todas as
maneiras conseguir convites para toda a gangue, ou ninguém iria.
A questão era que a filha do fazendeiro não tinha amizade
com o restante do grupo de mocinhos, e deixou claro que não
os queria em sua festa. Realmente, o desnível social era muito
grande e esses garotos não faziam parte daquele requintado clã.
“Em festa de Jacu, inhambu não pia.”
Zeca almofadinha, o único membro do grupo que fora convidado,
por sinal o mais abastado da turma, ficou de verificar
durante a festa se tinha alguma falha na vigilância que permitisse a
entrada do restante de seus amigos. E com essa premissa, o grupo
permitiu que ele participasse da festa.
O dia da festa chegou, e começaria com uma missa às dezenove
horas na igreja matriz. A cidade toda se preparava para
participar e estrear roupas e sapatos novos. Como na igreja todos
são bem-vindos, a Turma da lagoa combinou de participar da
missa. Inclusive, um deles naquela época ajudava o padre durante
a missa como coroinha.
Foi a missa de maior número de fiéis dos últimos anos e o
padre caprichou na homilia prolongando a cerimônia.
Após o término da celebração religiosa em homenagem à aniversariante,
todos os convidados se dirigiram para o local da festa,
menos, é claro, os meninos que não haviam sido convidados.
Esses ficaram no jardim em frente à igreja matriz conversando,
inconformados por não poderem participar do comes e bebes.
O líder dos garotos, apelidado de Bainho, resolveu que eles
iriam tentar entrar na festa de qualquer forma.
Como a festividade tinha muita gente, certamente, se conseguissem
entrar, não seriam percebidos. Era preciso, então, só ter
um pouco de cuidado.
Os mais medrosos tiveram um pouco de resistência em concordar,
e disseram que se conseguissem entrar, ficariam só um
pouquinho. O Bainho, que era o mais velho da turma e o mandachuva
do pedaço, resolveu que não sairia da festa de forma alguma
sem comer um pedaço do bolo.
Chegando ao local da festa, verificaram todas as possibilidades
de penetrarem no recinto festivo. Mas tudo por ali estava muito
bem vigiado.
O Zeca, que já estava na festa, saiu e foi encontrar com o grupo,
para verificar se tinham algum plano para invadirem o recinto.
A única entrada que o ilustre convidado viu, pela qual os seus
chegados poderiam entrar, era uma janela que havia nos fundos
da residência da aniversariante. Ele entraria novamente na festa
e abriria a janela para que a turma pudesse entrar.
Assim o fez.
A turma deu a entender que tinha ido embora e foi para os
fundos da casa. Um deles empurrou a janela e essa se abriu como
que por encanto, e um a um todos foram entrando. O último se
incumbiu de fechá-la. Combinaram de ficar espalhados pela festa
para não serem notados. Um por vez, foram se misturando aos
convidados nobres da cidade. E tudo correu meticulosamente bem.
Já havia passado mais de três horas de festa e ninguém tinha
notado a presença indesejada dos garotos.
Nessa altura dos acontecimentos, eles já se sentiam à vontade
na festança e acreditavam piamente que não seriam importunados
e até os mais medrosos já se sentiam convidados de honra.
Então, foi anunciado o grande momento de cantar parabéns
para a debutante, e todos foram se aglomerando em volta do bolo
e da visivelmente feliz aniversariante. O grupo, sem planejar,
reuniu-se também em volta da mesa hipnotizado pela beleza e
tamanho do bolo.
A grande questão era o traje dos penetras, que destoava um
tanto quanto dos outros convidados. E quando se juntaram, então
ficaram ainda mais heterogêneos, e não passaram despercebidos
pela Cinderela da noite.
A debutante, no ápice de sua vaidade, chamou a mãe em um
particular e denunciou a indesejada invasão. A mãe a acalmou e
disse que iria resolver a situação.
Como a genitora da garota não queria cometer a indelicadeza de
citar nomes e solicitar que os jovens se retirassem da festa, pediu a
palavra e disse que havia penetras na festa, e que apagaria a luz para
que eles fossem embora e depois cantariam parabéns. E assim foi
feito. Quando a luz se apagou, perceberam-se algumas movimentações
e correria de alguns membros, mas a família aguardou certo
tempo para que todos os penetras pudessem sair à francesa, no escuro.
Quando a mãe da aniversariante percebeu que todos os penetras
haviam saído, acendeu a luz e, realmente, não havia mais
nenhuma presença indesejada. A debutante deu um sorriso bem
malicioso de satisfação, mas que foi se transformando em choro
quando percebeu que o seu bolo de aniversário havia sumido
junto com os não convidados.
Foi um corre-corre danado para ver se pegavam os prováveis
ladrões.
Depois de muita procura encontraram apenas a velinha de 15
anos caída no passeio, perto da janela do fundo da casa.
Com muito custo, sais e copos d’água com açúcar controlaram
a debutante e a sua mãe, e tiveram que encerrar a festa cantando
parabéns somente em volta da velinha recuperada na calçada.
Como o bolo desapareceu?
No momento em que apagaram a luz, Bainho, sempre ele,
achou um desaforo sair da festa sem comer um pedaço de bolo.
E como estava muito escuro e ninguém via nada, pegou o bolo e saiu
pela janela por onde haviam entrado. Ele foi o primeiro a sair da
festa correndo com o bolo nas mãos. Nem seus colegas viram ou
perceberam o que ele havia feito. O último que passou encostou a
janela e foram todos se agrupar próximo a casa. Mas todos estavam
preocupados por não verem um dos colegas, o cabeça do grupo.
De repente, a polícia chegou e revistou os garotos que aparentemente
eram inocentes, e nem sinal da guloseima principal
da festa. Como os policiais não sabiam que um da turma estava
faltando, deram o caso por encerrado.
Depois que passou toda aquela confusão, a turma entendeu
que Bainho e bolo haviam sumido. Foi então que resolveram ir
ao QG, que ficava em uma casa velha abandonada. Aquele era o
único lugar provável de encontrar o parceiro.
Quando chegaram à casa velha, tudo por ali estava quieto e
muito escuro. Alguém acendeu um fósforo, viram o que já imaginavam
que veriam: lá estava o Bainho sentado no chão com o
bolo à sua frente.
Ele então perguntou se alguém iria querer um pedaço e todos
responderam que sim com enormes gargalhadas.
Houve mais um pequeno detalhe: tiveram que cantar parabéns
para o Bainho e cumprimentá-lo antes de degustar a enorme iguaria.
— Parabéns pra você, nessa data querida, muitas felicidades…
viva o Bainho! Vivaaa. O Bainho é bom camarada, o Bainho é
bom camarada, ninguém pode negar, ninguém pode negar…
Hip hip! Urraaaa. Hip-hip! Urraaaa.
The end.
Kennedy Pimenta