O drama de um cego... de mentirinha
Por: josafá bonfim
Parece não ser, mas foi verdadeiro, e ocorreu no meu lugar, lá nos confundó do Mearim.
Nos velhos tempos era corriqueiro o jogo de baralho no bar do Titão, que após o expediente normal da noite, trancafiavam-se até alta madrugada numa jogatina daquelas capazes de desalojar ratos de biqueira. Fechavam-se as instalações, ficando apenas meia-porta lateral aberta, por onde os notívagos transitavam. Alguns costumavam aproveitar à deixa para lancear mulheres de “vida fácil”. Habito que levava muitas “caras metades”, enciumadas, a montar turno nas encostas para flagrar o seu consorte nas escapulidas, que demandava assim que as luzes do gerador público apagavam e a escuridão embrulhava os instintos mundanos.
Era um grupo habitual, composto por frequentadores dos mais diversos níveis social e econômico. E tinham os que ali costumavam estar apenas para ficar curiando, especulando e dando pitaco no jogo dos outros, sem de fato participarem das partidas, deixando os aficionados fulas da vida. Certos pescadores, açougueiros e estivadores, costumavam escapolir dos "serões", para dar ímpeto ao prazeroso vício da contravenção. O costureiro Nené era um desses abelhudos incorrigíveis.
Uma dupla de jogadores, dentre os mais astuciosos, trama uma cilada jocosa contra o taciturno curioso. Zé Gama e Valter Bandeira idealizadores do plano, se encarregam também da sua execução, que consistia em dar uma “reprimenda” ao bisbilhoteiro Nené, que além de tudo era dorminhoco. Babava deliberadamente nos “braços de Morfeu”, debruçado em uma das mesas, e só despertava quando o taberneiro o impelia, após o término da jornada diária. Era tangido quase que diariamente.
E assim deu-se:
Espirituosos, orquestraram todos os preparativos e aguardaram o instante certo de deflagrar a canalhice.
Face ao horário avantajado, as luzes do candeeiro já haviam substituído às da energia pública. O “peru de roda” cansara-se e mais uma vez entregara-se ao sono profundo. Zé Gama sorrateiramente apaga o petromax, e começam a simular uma discussão alta e conturbada; daquelas típicas de uma rodada de verdade, valendo alto. Nené de repente se acorda com a barulheira. Tudo escuro, turvo de meter o dedo no olho. Esfrega as vistas... Fica por alguns segundos tomando alento, tentando se recompor, sem entender nadica de nada. E não se contém... desesperado “abre o berredo” num drama e num clamor alucinante, sem estribeira.
- Gente, gente... vocês tão enxergando alguma coisa? Me digam pelo amor de Deus..., derrama-se Nené.
- Deixa de brincadeira de mau gosto, cara, tá ficando maluco, num tá vendo tudo correndo normal?, Retruca Valter Bandeira, se segurando pra não explodir em risos.
E a decadente vítima da traquinagem desmorona de vez, literalmente no chão.
- Ôooo gennnte... tô ceeego, me acode meus irmão, pelas graça da gloriosa Santa Luzia.
Um coro de gargalhadas generalizado resplandeceu tomando conta do recinto, enquanto, como se num picadeiro, a luz do lampião é reestabelecida, trazendo o cenário de volta para a sua existência real.
São Luis/MA, 21 de janeiro de 2013