O HOMEM QUE ENFRENTOU O DEMO

Por: josafá bonfim

Aquela era a terceira vez que o modesto lavrador acordara exausto e atordoado sempre com o mesmo sonho. Sonhara que uma “criatura das trevas” sentava à beira de sua rede propondo um pacto com o Espírito Maligno. Caso topasse a parada, enfrentasse uma prova de teste sobrenatural, receberia a oferta de uma grande fortuna patrimonial e financeira, a lhe ser creditada de imediato. Em contra partida, firmado o pacto, se desistisse da prova ou se arrependesse do trato, teria de dar ao Demônio a alma de dois entes queridos, de seu parentesco mais próximo. Naquela noite sombria o “ser das trevas” variou a abordagem, não valendo-se do sonho para persuadi-lo. O desejo de conquista do Maligno, fora manifestado desta feita, de forma materializada, no leito do desafiante em contato frente a frente.

O lavrador ouviu horrorizado a voz cavernosa da criatura, sem coragem para encará-la, mas concordou com as condições estabelecidas. Curvado pelos duros anos de trabalho sem recompensação, via naquilo uma proposta tentadora, e a única possibilidade de sair da pobreza extrema. Achou, então, valer apena tentar.

Firmado o acerto, ficou marcado o embate para a última sexta-feira daquele mês de agosto. O desafio macabro, consistia no serviçal travar um confronto físico com três opositores sinistros, sendo um de cada vez, mas reunidos no mesmo confronto. Vencendo a peleja o desafiante ganharia a sonhada fortuna; caso perdesse, apenas e tão somente, não ganharia a promessa estabelecida. O que não era permitido seria a sua desistência voluntaria do combate, ou mesmo seu pedido por ajuda Divina durante a refrega; que o levaria ao mergulho na desgraça.

Na madrugada da sexta-feira estabelecida, Faustino apresenta-se na hora e local previamente combinado.

A improvisada arena de luta ficava na encruzilhada de dois caminhos que interligavam povoados, numa chapada de solo argiloso, encoberta de pindobas de babaçu e touceiras de capim, originário das pastagens de uma extinta e rumorosa fazenda de gado.

Forte como um touro e de coragem a toda prova, o destemido não tardou entrar em ação. De súbito, uma misteriosa onça, saltou sobre si, fazendo rolarem os dois atracados pelo chão, por um bom tempo. No terceiro baque a fera deixa o confronto, e aos urros desaparece no matagal. A noite clara facilitou o lutador perceber a investida do segundo oponente: era um touro preto bravo e enfurecido. Saltou de lado atracando-se no pescoço do bicho, e puseram-se a rodopiar por cima das moitas de tucum, mata-pasto e tudo quanto era de obstáculos encontrados pela frente. Lá pelas tantas, o animal se desprendeu dos punhos fortes do lutador e desapareceu na escuridão. Mal recuperava as forças, quando fora atacado por um cachorro raivoso que, à traição, abocanhou a batata de sua perna esquerda. O susto horrendo e a dor dilacerando o músculo, o fez soltar um pavoroso grito, e em seguida clamar por socorro: - Valei-me meu Deus.

E... scatapuuumm!!. Nesse exato instante, se deu conta de onde na realidade encontrava-se. Pareceu despertar-se do mais terrivel dos pesadelos; com o mundo levemente girando ao seu redor. Recorreu à lanterna que ainda se encontrava no bolso fundo da grossa calça de caque. Com a roupa em andrajos, todo sujo e desgrenhado, passou as mãos nas vistas, comprimiu a feição e observou a esgarçada arena de batalha palco da refrega. A relva encontrava-se toda espezinhada e os arbustos devastados, como se uma manada de porcos selvagem tivesse acabado de passar por ali. A perna atingida doía muito. Correu a mão sobre a mesma, não percebendo qualquer enfermidade exposta.

Com o lusco-fusco, e os primeiros raios de sol a despertar; fragilizado, fora conduzido na garupa da montaria de um certo transeunte conhecido, para o seu pobre casebre nas ribanceiras encostadas ao rio, onde pode receber o socorro e a assistência mediúnica para a recuperação, que demorou vários dias, intercalados de febre alta e alucinações. Meses após perdeu sua mãe, de morte natural, sem causa aparente. Em menos de um ano, um dos seus irmãos morrera acometido por uma febre maligna que não teve cura.

Solitário e retraído, veio a falecer de causas naturais, antes que a velhice batesse à porta, sem nunca se reportar ao enigma que o vitimou. Quando alguém provocava o assunto, Faustino o reprimia tenazmente, se retirando em seguida do local, sem mais explicações.

E assim foi até seus últimos dias... pobre e desassistido, como sempre vivera, pelas surradas encostas do emblemático sertão.

São Luís/MA, 04 de janeiro de 2013

josafá bonfim
Enviado por josafá bonfim em 18/01/2013
Reeditado em 29/01/2013
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