O Baile - In contos d'minutos - Vol l - Causos Caipiras
Tempos de antigamente perdidos no sertão brasileiro, escondidos entre
matas e invernadas de gados. Pés de café; milho; feijão espraiavam-se a perder de vista por aquela fazenda de grandemente grande.
Ali morava a família Quirino; o pai, José; a mãe, Maria; a filha, Florsina.
Assim ocupada pela família a casa era tipicamente caracterizada pelo tamanho. Era chamada de casa-grande, casa-sede de onde partiam todas as decisões para a administração da fazenda.
Florsina, portanto rica, mimada, amada pelos pais sabia desde pequena a usar o artifício da manipulação para atingir seus objetivos e, hojemente, de sempre costume, fazia caras e beiços; olhares meigos que sentidos de inteiro fingimento para conseguir o que queria.
Naqueles idos quão distantes tempos, vezmente, já esquecidos costumava-se guardar a sexta-feira santa. Neste dia não se trabalhava, não se comia carne vermelha,não se comemorava ou bebemorava nada. Era observado este dia como a morte de Nosso Senhor, por isso a alegria devia ser banida e observado certo decoro
como se estivesse em um funeral.
Mimada que era no sempremente do nascer ao presentemente, Florsina cismou : queria realizar um baile naquela noite; um grande baile com comilanças e bebelanças; churrasco na brasa e barris de cachaça da
boa, ainda, fresquinha saída do moinho de cana agoramente.
A princípio os pais negaram, porém ao ouvir o choro sentido de Florsina, não resistiram e acabaram permitindo a realização do baile. Lo-
go, noitemente, a casa grande repleta de convidados bebiam e dançavam e comiam e conversavam e alegravam-se e riam-se.
O baile era um sucesso. A bebida era farta e quem chegasse àquela altura na festa sentiria no ar o gosto convidativo da cachaça, tal era a
abastança. Ninguém percebeu, quando o enorme relógio de pêndulo bateu as doze badaladas: era meia-noite.
Exatamente nas doze badaladas, entrou um jovem mancebo, bonito de todo, ridente, chapéu à cabeça; todo ele de inteiro branco. Deslizou dançando até Florsina e bom-papo que era, arrastou-a a dançar madrugada adentro. Contudo Florsina sentia um certo incomôdo, porque
de costume sertanejo, dificilmente alguém adentrava a casa de alguém de chapéu à cabeça, assim como não se entra na Igreja de chapéu à cabeça.
Dançando e dançando no bastante, Florsina pediu ao elegante rapaz que tirasse o chapéu. O rapaz, simplesmente, respondeu :
- Sinto-me bem com o chapéu; ele faz parte da minha personalidade.
Peço a Vossa Senhoria a mercê de ignorá-lo e permitir-me a continuar com ele, mas prometo-lhe tirá-lo antes de ir embora.
Florsina intencionou insistir. Desistiu, pois.
Madrugadamente, lá pelas 2 da manhã, já cansada, Florsina pediu ao companheiro de todas as danças um momento de descanso, quando este disse :
- É hora de ir e como prometi vou tirar o chapéu.
Florsina acordou com tapas no rosto e água escorrendo pela face: estava caída ao solo; os pais preocupadíssimos e com olhares acusadores parecendo dizer : " - Eu não disse a você ??. Bem feito !!
Você mereceu ".
- O que houve, pai ?? - perguntou Florsina.
- O homem quando tirou o chapéu mostrou dois chifres enormes; os
olhos tornaram-se cor de fogo e a casa foi invadida por um cheiro de podridão grande. Sumiu-se no ar o homem com uma gargalhada que estremeço só de lembrar. Florsina, minha filha, você dançou com o
capeta.