MATUSALÉNS !

Matusaléns!

De vez em quando é bom a gente fazer turismo no centro da sua cidade, do seu bairro. Parece incrível como a gente se depara com novidades. As mudanças, principalmente no habitual visual são impressionantes. Novas casas, prédios, ruas, comércio. As pessoas... Desconhecidas, novas caras... Sim é bom e importante a gente fazer esses tours...

E não é que num desses tours com destino ao centro velho da cidade, passando pela avenida que margeia a orla da praia de Itapoã, de automóvel, revi um velho conhecido que há tempos eu não via? Ele estava passeando no calçadão de mãos dadas com uma criança. Um belo varão!

Curioso com o que via, estacionei o carro no estacionamento e passei a acompanhá-lo de longe... Ambos demonstravam estarem alegres. Riam altos e descontraídos. Estavam felizes e irradiavam felicidades; abraçavam-se, beijavam-se.

O menino louro, com idade entre 7, 8 anos, corria na direção que o seu narizinho apontava. Distanciava- se com freqüência do velho “babão” e... disparava de volta em sua direção, atirando-se em seus braços. O velho ante os impactos balançava qual uma árvore tangida por fortes ventos ou um bólido. Chegava a desequilibrar-se a quase cair. Mas o velho “babão” nem aí, não dava a mínima importância... Ali naqueles momentos ele se transformava em criança... Ah, tempos de criança... Garotos!

Um “garoto” um pouco mais velho e um garoto um “pouquinho” mais jovem... Ambos crianças!

Ali estavam a brincar a se curtirem como se ambos estivessem dentro de uma “bolha” do tempo – sozinhos alheios e isolados da ambiente do mundo real em que se encontravam. O idoso – avô? -, seria ali, naquele instante, o personagem irmão mais velho? Um ator de cabelos brancos é verdade, vivendo um belo papel de jovem! O corpo meio “gasto”, alquebrado pelas várias primaveras vividas, cansado, porém, feliz.

Notava - se visivelmente que o “babão” protegia carinhosamente o menino - no seu imaginário: “irmãozinho mais novo –, de quedas e encontrões indesejáveis com outros transeuntes que com outros objetivos passavam por eles por ali.

Pedro é o nome do velho “babão”! Contemporâneo da empresa onde trabalhamos por um longo tempo, porém em Superintendências diferentes, ele na da Estrada, eu na do Porto. Ambos aposentados. Ali curtindo, ao que parecia, seu primeiro netinho... Eta vovô coruja! Ambos muito amor mútuo demonstravam... Davam-se gratuitamente.

Ali olhando aquela cena surfei... Mentalmente retrocedi no tempo, viajei e me vi também criança. Livre e sonhando como criança. Bela infância!

...Os meus avós – paternos e maternos. Eles de cabelos ralos e brancos da cor de algodão. Lembro-me, idosos, curvados pela ação do tempo; gentis, porém, “travados”, taciturnos... Com eles, poucas intimidades. Nada de relacionamentos “melosos”, como de “irmãos” – do mais velho com o mais novo. Relações formais, respeitosas, distante... “Respeite os mais velhos”... Os contatos físicos? No máximo um constrangido e rápido afago... Um frouxo abraço... Um raro elogio – muitas cobranças. Raríssimos beijos – do avô então!... “A benção vovô e/ou vovó”. Pronto.

Nós não estranhávamos, era o comportamento adequado, apropriado à época. Entretanto, apesar da aparente frieza e da rígida formalidade, eles nos transmitiam segurança, confiança.. Para nós crianças, adolescentes, eram os baluartes, certezas, fontes de sabedoria e amálgama da unidade familiar. Esteios e espelhos a quem nós deveríamos nos apoiar e imitar. Orgulhávamos deles a ponto de querer imitá-los. “Suas bênçãos vovô e vovó”!...”Deus te abençoe”!... Singular... Belo!

Brincadeiras:....”Cavalinho”, “pula-pula”, “corre-corre”, “esconder: vou contar até...” Peraltices juntos?... Jamais! Eles não eram... Babões!

Clique! Retorno. Acordo, volto à realidade dos dias de hoje e comparo. Constato que essa relação – netos/avós -, mudou. A dinâmica do adequado/apropriado/formal/respeitoso mudou.

As relações tornaram-se mais leves, muito mais alegres: humana, interativa, participativa. Aqueles conjuntos de formalidades transformaram-se em cumplicidade. Eis a palavra mágica: “Cumplicidade”...Tornamo-nos cúmplices... Cumplicidade entre as gerações... Afastada a cultura do formal, a ótica da “garantia e segurança”, da estabilidade, das crenças fundamentalistas e das elitizadas tradições. Cumplicidade afetiva, amorosa... no bem querer-se, sem restrições.

“Bom velhinho – Opa! Não é Papai Noel”!... Mas igualmente, paciente, tolerante e... Perdulário!

“Vou levar isso para a/o neto(a)... .É a carinha dele(a)”! Constantemente adivinhos... Agrados!

“Papai, mamãe tenham dó... Vocês assim deseducam... Fazem todas as vontades. Acabam estragando... Olha nada de exageros, nada de muitas balas de amendoim, bombons. Sorvetes? Nem pensar... Tomem cuidado ao atravessarem as ruas... Não os deixem sozinhos na praia, cuidado com as ondas fortes...No parquinho, cuidado com os brinquedos – os balanços, os escorregadores... Cuidado com as quedas... Cuidado com isso, com aquilo...”

Recomendações, recomendações como se fôssemos também crianças. Ora nós não soubemos educá-los? Ora filhos! Querer ensinar padre a rezar missa!

Deixa-nos com os nossos netinhos... Eles são a nossa imortalidade (herdeiros)... Não são uns anjinhos?

Junto com eles... Somos crianças... Voltamos a brincar... Esconde- esconde... “Terra do Nunca!”

E o vovô babão... Lá! Corre prá lá, corre prá cá. O Netinho dando-lhe uma canseira de dá dó. O Pedro, suado... Vermelho que nem um pimentão maduro... Morto... Lá! Neste embalo veio à minha memória um brevíssimo “causo”.

Esses velhos...

“Sentado num desses bancos de cimento, aqui prá nós, de péssimo mau gosto, aqui próximo do meu “point”, na orla da Praia de Itapoã, um idoso saudável – estaria na faixa etária entre 75/80 anos, tendo às mãos um grande lenço de tecido em xadrez berrante, o esfregava no rosto e no nariz, com o intuito de limpá-los. Assoava ruidosamente o seu avantajado nariz – nariz de descendência italiana - demonstrava estar inquieto, inconsolável. Chorava... Chorava copiosa e abundantemente em silêncio. Grossas lágrimas escorriam-lhe pelo rosto cheio de rugas, as marcas do tempo. Suspirava, longos suspiros e soluços. Os cabelos, ralos e brancos em desalinho, esvoaçavam-se à leve brisa vinda do mar. O idoso inspirava sentimentos de pena e dó.

Assistindo a cena à média distância e como ela acontecia num local que freqüentemente freqüento – chamo-o de ”o meu pedaço”-, aproximei-me dele e perguntei: “Senhor, senhor por que está chorando? O senhor está passando mal? Está sentido algum tipo de dor?”

Ele demorou a me responder. Tempo suficiente para se recompor. Pigarreou, limpou a garganta e cuspiu. Enxugou novamente o rosto e novamente limpou o nariz.

“Não senhor! Não estou nem sentindo dores e nem passando mal. Na verdade estou chorando porque o meu pai ralhou asperamente comigo. Chegou até a puxar a minha orelha!”

“Mas por que o seu pai faria isso com o senhor?”

Ele timidamente e meio sem graça, e se julgando culpado de uma transgressão respondeu-me baixinho, quase inaudível, olhando desconfiado para ambos os lado do calçadão:

“Ralhou comigo por que eu fiz malcriação com o meu vô!”

... É avós formais fazem coisas!...

BNandú 13/12/2009 Revisado em 01/01/2013

BNandú
Enviado por BNandú em 04/01/2013
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