CIGARRO DE PALHA

Falar em cigarro hoje em dia não é politicamente correto, mas faz parte da cultura caipira, e o que passo a narrar, era como meu velho fazia seu cigarrinho de palha, um verdadeiro ritual

Puxando um pouco na memória, posso claramente visualizar “seu Gerardo”, como dizia mamãe, com sua roupa surrada, uma enxada na mão e uma “cabeça de paia” no bolso traseiro, subindo pelo carreador do sítio, onde lavrava a terra de sol a sol para criar sua prole.

Por volta das nove horas (na roça se almoça cedo), mamãe ajeitava um caldeirãozinho com a “bóia”, uma garrafa de café, e eu ia levar seu almoço. Papai então almoçava, tomava um gole do café e se punha a fazer o “paiero”.

Com toda a calma do mundo ele retirava a cabeça de paia do bolso, escolhia cuidadosamente uma que tivesse barbela, como ele mesmo dizia, que era para fechar o cigarro, dava uma lambida para umedecer a paia e evitar que ela rachasse, passava cuidadosamente o canivete de cima para baixo e de baixo para cima na paia, alisando-a cuidadosamente, em seguida dobrava ela direitinho e a colocava no dedo “pai de todos” da mão esquerda, de modo que ficava com as pontas voltadas para as costas da mão e presa pelo “fura bolo” e o “seu vizinho”.

Preparado a paia, era hora de cortar o fumo. Vasculhava o bolso e logo aparecia com um pedaço de fumo de rolo, palmeava ele e com a maior tranqüilidade do mundo ia cortando em pequenas e finíssimas fatias até atingir a quantia desejada. Fechava o canivete e guardava no bolso, em seguida, com a mão direita espalmada sobre a esquerda, fazia movimentos firmes e giratórios que era para “esporpar”, depois com os dedos, ia desfiando o fumo lentamente.

Pegava a paia que estava dobradinha no dedo, abria-a e distribuía o fumo de maneira uniforme, tendo o cuidado de deixar o avesso da palha para fora, que era lisinho e que ia ter contato com os lábios, enrolava com uma verdadeira maestria de forma que ficava um pouco afunilado, passava saliva na barbela e lacrava. Estava pronto o paiero, era só apreciar.

Agora sim, era hora do gran finale. Vasculhava novamente os bolsos, sacava o binga, umedecia com saliva a ponta que ia por fogo para evitar que a palha se queimasse primeiro que o fumo. Acendia o cigarro desprezando a primeira tragada, pois dizia que trazia o gosto do combustível do binga e aí sim, saboreava sua obra prima.

Esse era “seu Gerardo”. Esse era meu pai.

Saudades.

Las Vegas
Enviado por Las Vegas em 02/01/2013
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