Super Herói

Super Herói

Tempo de Natal.

A cidade é um burburinho só. As Igrejas engalanadas exibem nas suas fachadas, entradas, pórticos e pátios, símbolos natalinos. Luzes, muitas luzes. Tempo de Luz, Natal!

Sinos, sininhos, harpas, corais... Músicas!

As pessoas, mesmo as não crentes, caminham de lá prá cá, sôfregas, apressadas, estressadas, transpirando... Inebriadas pelo impulso compulsivo do consumismo... É Natal? Isso...

Gulas! Olhos nas guloseimas. Vaidades! Cobiças olhos no luxo... Luxúrias? Natal? Resume-se nisso?...Numa babel?

Propagandas gritadas... Massacre de milhares comerciais: descontos, a prazos... Vendas! Embrulhos, pacotes, bolsas, sacolas, carrinhos... Sacos, sacos vermelhos abarrotados?

Bens materiais:...Ouro, prata, brilhante... Perfumes! Rosas! Lembrancinhas! Quinquilharias... Troca de presentes, troca de doces mensagens, angelicais mensagens.É Natal... Natal?...

Tempo de Natal!

No corre-corre deste tempo, encontro o meu dileto amigo Nandú sentado numa sombra à beira da praia – Itapoã –, ele parece distante, pensativo e circunspecto ( eta palavrinha feia!)...longe...

“E aí Nandú? O Natal está ai, animado? E os presentinhos?”

“Oi Chico! Tudo bem contigo meu rapaz?” Você por aqui a esta hora do dia? Cedo assim e difícil vê-lo por aqui. Bem! Nem animado e nem desanimado. Só observando “este” tempo utópico... Natal. Quanta energia difusa perdida. Transformaram “este” tempo santo em tempo profano, diferente,bem diferente comparando-o ao “meu tempo”,quando ainda criança ele era revestido com espírito do Natal, lírico, mágico, de conteúdo mais divino.

Aqui sentado curtindo esta leve brisa matinal e olhando para a imensidão deste lindo mar, o encontro no horizonte, dele com céu, aquele tempo me vem à mente mais fortemente e sinto a diferença do clima. Essa visão dessa linha lá no horizonte – céu/mar, ela é mística; alguns teólogos/filósofos, comparam-na à nossa “passagem desta para melhor”.Daqui, desta perspectiva nós percebemos que qualquer objeto que a ultrapassa, aos nossos olhos, ela desaparece. Mas “do outro lado” ele está aparecendo... Nascendo. Ou seja, o “nascer” ou o Natal, está constantemente nascendo/morrendo... Questão de perspectiva... Aqui e o acolá!

No nosso presente, neste “novo tempo de Natal, uma nova utopia está nascendo ou a velha está morrendo?

Natal... Quantos sinos a tocarem, a badalarem...Em vão?...

Este tempo me faz recordar as minhas utopias e nelas estou criança e, como tal agitado, elétrico como outra criança qualquer .Feliz imaginando-me nos braços dos meus sonhos e das minhas aventuras com os meus Super Heróis.Tempos fantásticos, mágicos, puros!...

O mundo encantado na “Terra do Nunca”, onde tudo é possível. Misturávamos realidades com fantasias e encantadas, crianças deslumbradas e Heróis se davam as mãos, vivenciavam aventuras mil e juntos sonhavam e interagiam...

Com Tarzan e a sua inseparável macaca Chita...Gritávamos gritos que ecoavam na densa e perigosa selva!... Domavam-se e brincávamos com imaginados selvagens animais.

Com o Superman – Clarck Kent -, Voávamos e explorávamos o espaço sideral; fugíamos da radiação maléfica do mineral ET, a Criptonita, pedra de cor verde esmeralda e de ofuscante brilho.

Com o Batman e Robin – homens morcegos -,combatíamos o mal, que era capitaneado pelo terrível Coringa, e os levávamos presos em grande algazarra... Ah! O Batmóvel!

Com Papai Noel... Papai Noel?... Também Super Herói?... Mas... Figura frágil, meiga... Olhar sorridente e bondoso. Suas renas... Graças de animais! Seu trenó a deslizar sobre a neve branca... A subir nas árvores, nos telhados... A viajar pelas montanhas e vales. Distribuindo alegrias... Todos se doavam... Presenteavam-se... Muitos pacotes, embrulhos... Caixas de esperanças... Chaminés sacos às costas mágicos, nunca vazios ficavam... Um encantamento! Uma festa... Ho, ho, ho, ho!...

Com o Fantasma... As caveiras escondidas nas cavernas, tétricas cavernas. Atiçávamos o cão Capeto nos aborígenes pigmeus... Amiguinhos do Fantasma... Muitos esqueletos espalhados em cada corredor, em cada bifurcação... Uurr...

Com o Capitão Márvel – Shazan a palavra mágica, que provocava mágica transformação. Combatíamos as maldosas invenções do cientista muito doidão, o Dr. Silvana – cabeção e de reluzente careca...

Tudo se vivenciava na “Terra do Nunca”... Pura criatividade e imaginação...

Super Heróis.. .Nossos sonhos... Nossas infantis utopias!”

Sem super poderes e só com a magia da bondade sem limites, sem aventuras, lutas do bem contra o mal, só em doar-se, sem força física, só com o humilde amor, Papai Noel, supera todos os outros bem cotados... Perenizou-se, tornou-se eterno... Mas Papai Noel... Não é o “Natal”... Ele faz parte da festa profana do Natal. Figura bondosa, mas não é o Natal!

O Super Herói Papai Noel generoso, busca a alegria material no rosto de uma criança. Seus super poderes estão no ato de presentear, que é uma fórmula simbólica de gravar sua lembrança nos corações presenteados – “Neste dia especial, de Luz, lembrei-me de você que é especial para mim.”...Um presentinho... Uma bola, um pião, uma lanterna, uma caixa de lápis de cor, um boné, soldadinhos de chumbo, uma piorra, uma boneca... Doces, balas, bombons...

Nas janelas, embaixo das camas, às portas... Sapatinhos, sandálias, tamancos como se ninhos fossem, prontos a acolhê-los, durante as madrugadas mágicas e iluminadas das noites de Natal... No céu a brilhar a... Estrela de Belém!!”

“Chico, meu rapaz, hoje... Onde ou em que está presente o espírito de Natal? O Natal não é a festa do nascimento do Príncipe da Paz? A certeza da Luz no meio de nós? Onde as menções ao Protagonista? Presente nos presentinhos?

Segundo aprendi quando criança o Natal é: a busca incessante pelo “outro”...”amá-lo sem preconceitos, fazê-lo feliz”...”Sacrificar-se pelo próximo”... E muita vezes o “outro” está do nosso lado, no nosso dia a dia, no nosso núcleo familiar e nós, cegos nem percebemos.

Confundimos “Natal” com “presentinhos”, “gulodices”, vaidades... Isto é o que está a provocar todo este burburinho...”

“Nandú. Chama-o Chico. “Acorda... você...”

“Espere cara. Estou ainda a divagar... Repassando as minhas lembranças deste Tempo... Passados tempos! Ah! tempos de criança... Lembro-me de reunidos à mesa posta para o almoço do dia de Natal, a família num silêncio respeitoso e cerimonioso, contrita, escutava as preces de agradecimento... Meu pai à cabeceira... Agradece...

O prato principal, perua caipira assada e apetitosamente enfeitada, que cheirava gostosamente, ali na nossa frente e era nosso principal e cobiçado alvo.

... Seu preparo... Uma história... Era uma farra. Uma boa dose de aguardente, enfiada bico/goela abaixo, para sua carne amaciar; a embriaguês da ave, que trôpega zanzava pelo quintal para o nosso delírio e alegria, era perseguida, humilhada até a hora do seu sacrifício. O quadro era hilário. O cozimento era no forno da padaria da cidade...

Para acompanhar especial iguaria: arroz de forno com rodelas de ovos cozidos, rodelas de cebolas, azeitonas e salpicos de queijo parmesão, tudo gratinado ao forno. Macarronada ( talharim) ao molho de carne desfiada de peito de galinha.

Farofa e que farofa! Miúdos de galinha – coração, moela, fígado.

Feijão preto inteiro em caldo. Salada de rodelas de tomates, cebolas e folhas de alface, temperados com vinagre e sal...

Almoço digno dos deuses!.

Para beber: vinho tinto (marca Único), refresco de xarope de groselha, tudo a temperatura ambiente – não tínhamos geladeira.

Como sobremesa: manga primorosa e pinha.

Delícias de Natal.

Sentados à mesa posta, eu e meus irmãos apressados em comer o máximo que pudéssemos... Gulodice própria da idade, da adolescência, nós não prestávamos atenção às conversas, que fluíam em tom baixo e em torno do “tempo se Natal” que estávamos ali vivenciando e comemorando. O ambiente era fraterno, alegre... A família ali reunida em paz! O foco principal das conversas era o “Príncipe da Paz” – Jesus!

Conversa que vai e conversa que vem, outros assuntos aparecem até que de repente, trazido pelo papai, o papo vai para os custos da festa – entre outros, os presentes para nós... Mamãe rápida e discretamente acena, gesticula, e o velho interrompe o assunto sem maiores comentários. Ambos contidos – mamãe e o papai-, retomam a conversa para coisas mais triviais.

Mas o núcleo duro da conversa iniciada pelo papai ficou no ar... O sacrifício, o esforço para nos proporcionar o banquete e os presentes... Num estalo... Então eu percebi e constatei naquele momento singelo que os meus heróis, os Super Heróis favoritos estavam ali, em carne e ossos, sentados na minha frente!

O nosso Papai Noel...

Meu velho Pai e minha abnegada Mãe... Sim. Meus Heróis!

Daí meu rapaz a minha circunspecção”.

BNandú 25/12/2009 Revisado em 25/12/2012

BNandú
Enviado por BNandú em 26/12/2012
Código do texto: T4054385
Classificação de conteúdo: seguro