Firmino e o fim do mundo
Esse causo aconteceu quando o Firmino ainda era menino de seus 14 anos, e fez um rebuliço danado por causo de um sonho que teve. Saiu gritando porta afora, seguido de sua prestimosa mãe que tentava a todo custo calar-lhe a boca. Chorou e gritou tanto que o povo da Campina da Cascavel se aglomerou em volta do rapaz a perguntar-lhe o que havia acontecido, e o Firmino com voz chorosa disse que tinha sonhado com um andor, carregado por seis pessoas que tinham a catástrofe em seus olhos e mais seis visionários.
Algumas mulheres que estavam por ali se olharam assustadas e o Padre Dimas fazia o sinal da cruz de cabeça baixa e muito preocupado.
Firmino contou mais, contou que não conhecia a santa que seguia em cima do andor e que carregava um manto envolto na cabeça com uma frase que lhe pegava de um lado ao outro e que dizia: “O fim do mundo está próximo”. E quando terminou de lembrar sobre essas palavras apocalípticas, voltou a chorar com todas as suas forças.
A grande maioria das pessoas que estavam em volta de Firmino, começou a caminhar lentamente em passinhos silenciosos e febris em direção à Igreja e levaram o rapaz que, sem saber como e nem por que, encontrava-se dentro do átrio com o Padre Dimas a encabeçar a turba. Logo, todos se sentaram e Firmino continuou em pé.
Tinha que dizer algo, porque as pessoas que estavam ali careciam de respostas. Virou a cabeça e olhou todas as pessoas e então ele se arrependeu amargamente de ter contado o sonho e num relance viu as proporções que seu rompante havia atingido. Agora era tarde demais e viu o olhar de sua mãe, num canto da capela a auscultar-lhe o coração, infligindo mais culpa ainda em sua pobre alma assustada.
Fechou os olhos e começou a rememorar o sonho. Contou de novo e com mais detalhes sobre o andor e sua santa, contou sobre as doze pessoas que o carregavam e seus olhos assustadores. Contou sobre o manto. E lembrou que também estava escrito alguma coisa a mais e que não era no manto, mas que estava em algum outro lugar por ali, como se fosse uma data.
A data para o fim do mundo?
O Padre Dimas que tinha a cabeça baixa a escutar o rapaz, levantou de sobressalto e procurou fazer com que Firmino não continuasse em suas premonições, pois que aconteceria outra catástrofe, e pior que aquela que estava sendo anunciada.
Mas a população curiosa e interesseira não permitiu que o Firmino saísse de lá sem dizer quando, onde e por quê. Até o Padre em seu íntimo tinha uma vontade incontrolável de saber quando aconteceria o fim do mundo. Só a mãe do rapaz que saiu da igreja sem mais nem menos, porque não queria saber de nada, porque queria seu filho de volta em casa, são e salvo e sabia também que dependendo do que ele responderia, poderia ficar com uma fama para o bem ou para o mal para o resto da vida e sofreria decerto com as muitas maledicências.
Mas o Firmino não arredou pé da igreja, nem quando a mãe num gesto muito rápido pediu a ele que fosse junto com ela para casa. E ele continuou com seu sonho premonitório dizendo a uma população assustada que naquele dia fatídico, aquele do fim do mundo, todos saberiam quando seria porque seria o dia em que todos reconheceriam de peito aberto a morte, e que escutaríamos as estrelas suspirando, a Lua dando cria e um portal de luz sendo aberto para visitarmos nossos outros eus em outras esferas. E que no dia vinte e um de dezembro de 2012 aconteceria tudo isso e todo mundo saberia em seu íntimo todos os segredos do céu e da terra e conheceria finalmente o Criador, que vinha pilotando uma máquina voadora gigantesca para nos dizer coisas sobre a água. E Firmino não parou mais.
Não se soube se foi o verbo empregado no discurso, ou se pelos absurdos de outros “eus”, mas o fato é que Firmino ficou sozinho na igreja.
Ele não foi taxado de nada como sua mãe tinha suspeitado; muito pelo contrário, elogiavam a criatividade do garoto e pediam vez ou outra se ele tinha mais histórias a contar. E Firmino seguiu a sua vida sem esquecer nunca do sonho que tivera.
Hoje, com 96 anos conta os dias com um frenesi de louco porque todos os que escutaram seu relato há 82 anos estão mortos.
E espera sozinho o fim do mundo, porque todas as noites ele escuta as estrelas suspirando e isso o irrita.