O GENIO QUE FOI SALVO DO ABORTO ( 2º CAPITULO)
Saltando da carruagem o coronel saudou dois idosos que adentrava ao curral; -- boa tarde meus senhores o que está acontecendo acaso haverá festa nesta casa?—Festa senhor? Donde já se viu festejar velório?—Velório meu amigo?—Sim senhor faleceu nosso amigo Antero, homem bom, coitado não resistiu à malaria! – Malaria que nada Zeca, o homem morreu foi de paixão mesmo! Há pouco tempo perdeu sua única filha, a malaria teria sido curada não fosse sua tristeza pela perda da filha, sua esposa que já curou tanta gente o teria curado também. Tristeza mata mais que este pestilento do tal do mosquito prego.
Ouvindo essa conversa entre os dois homens que chegavam, Certoro percebeu que Antero já era bem quisto no local, embora em curto período ali residindo. Encostado na carruagem o homem perdeu o chão sobre os pés e voltou no tempo, um verdadeiro filme passou por sua cabeça. Reviveu momentaneamente suas andanças ao lado do amigo desde o tempo de os dois ainda crianças. -- Manoela adentrou a casa a sala cheia de amigos do casal. Num banco ali ao meio espichado jazia imóvel o pobre Antero. Laura ao ver a chegada de Manoela, esqueceu toda a mágoa que atormentava seu coração e a abraçou afetuosamente; -- Oh comadre como Deus é providencial, eu jamais imaginei que nessa hora tão difícil da minha vida ele mandaria minha melhor amiga ao meu encontro! – Abraçadas as duas que sempre se deram bem choraram unidas numa triste e sincera confraternização.
Na varanda do velho paiol o vai e vem do serrote em coro com as pancadas de um martelo, soavam forte na preparação do caixão, por dois amigos, carpinteiros voluntários. Cada martelada ouvida pelo coronel era como uma chibatada desferida em sua alma por sua consciência que o condenava pelas tragédias ocorridas nos últimos tempos. Faltou-lhe força para adentrar a casa. Ele jamais imaginou seu companheiro de tantos e tantos anos sendo velado de forma tão inesperada.
Amparada por Manoela e algumas vizinhas, Laura concordou em se afastar um pouco do lado do corpo de seu amado, e aceitou um pouco de chá preparado pela comadre. Só assim ela teve força para perguntar o motivo que a trazia ao local. – Viemos visitá-los, Certoro e eu, mas vejo que chegamos atrasados!—E ele onde está que não o vejo?—Perdeu a coragem, quando soube do acontecido. Está se culpando pelo ocorrido, parece ter perdido o chão também, imagino eu! – Vá chamá-lo não é hora de avivar mágoas, agora mais do que nunca eu faço questão que ele esteja presente, afinal eles foram colegas a vida inteira. E não será agora que iremos colocar entre nós, nossas de diferenças.
O horizonte acabava de engolir o ultimo clarão do ocaso, e as primeiras estrelas já começavam a surgir no infinito. Laura pediu a um de seus amigos a acompanhar o coronel recolhendo sua carruagem e seus animais. A madrinha de seu neto, uma mulher decidida providenciou logo um aposento para que Manoela pudesse se ajeitar com suas malas. Em fim encorajado o coronel adentrou naquela sala fúnebre. Parado aos pés do falecido segurando com as duas mãos seu chapéu de abas larga contra o peito, o homem chorou como nunca o fizera antes. O silencio era profundo e só se ouviam seu soluçar sentido como uma criancinha que tivera um brinquedo arrebatado das mãos. Dois copos debruçados sobre a cabeceira do banco mortuário sustentavam as velas com suas chamas tremulando impulsionadas pela brisa que adentrava a janela, cuja luz desenhava contra a parede a silhueta disforme daquele homenzarrão, postado frente ao defunto.
Toda a platéia que presenciou aquela sena já era conhecedora da história que levou Antero a ir residir naquela paragem. Ninguém se atreveu a apiedar do homem o consolando em seu pranto. Sua comoção acabou por amolecer o coração de Laura, que, aliás, era uma mulher de muita paz, tranqüila e humilde.
No dia seguinte Certoro acompanhou o amigo até o sepulcro em meio à floresta nas proximidades da pequena Cruzilhas donde seus mortos descansavam em pleno campo aberto. No sertão era muito comum, os mortos serem sepultados nos derredores de suas residências, mas a pedido de Antero em seus últimos momentos de vida, ele foi colocado ao lado de sua querida filha naquele campo santo. Muito comovido e tentando aliviar um pouco o peso de consciência Certoro fez questão de cobrir todas as despesas do sepultamento sem que Laura soubesse.
A noite caiu coberta por um intenso nevoeiro, e a escuridão parecia se conspirar com a solidão. Debruçado sobre a janela da sala o coronel desejava que o chão se abrisse para que ele pudesse mergulhar bem fundo na terra aonde ninguém o encontrasse. Manoela cuidava do neto no quarto ao lado. A vizinha, amiga de Laura havia a colocada a par de toda a situação que ocasionou a morte de Marli.
Laura sentou-se na cama ao lado de Manoela e perguntou: -- e ai comadre afinal o que os trouxeram aqui--, acaso o coronel veio resgatar sua fazenda?—Não minha querida comadre, desde que vocês partiram o nosso mundo virou de ponta cabeça. – Ricardo meu pobre menino que Deus o tenha!—Cruzes comadre isso é La coisa que se diga mulher?—Infelizmente comadre meu menino morreu de paixão. -- Meu Deus que coisa horrível como se não bastasse minha desgraça, vem você também com esta? -- Desde que vocês partiram, ele não se alimentou mais, eu chorei, eu implorei, mas Certoro não me ouviu. Quando percebeu a gravidade do problema o pobre garoto já estava morrendo, são exatos quatro meses que passamos por esta provação!—Você Disse quatro meses-, minha Marli também partiu a quatro messes, Luizinho nasceu, no dia seguinte ela faleceu. Será que o destino compactuou com os dois, como pode teu filho morrer na mesma data que minha filha? – Pois é comadre Certoro desde então não dormia não se alimentava direito foi ai que resolveu vir até aqui para levá-los de volta conosco, veja como o destino o castigou pela sua maldosa incoerência, agora, ta ai remoendo de tristeza. Vejamos o que vai acontecer quando souber que este anjinho é seu neto! –Talvez seja melhor que não saiba comadre! – Não se você não se opõe, amanhã vamos contar a ele toda essa história estou pouco me lixando se ela morra de remorso ou não. Saiba comadre Laura a partir de hoje estarei sempre ao seu lado, ele que se dane. —Fico feliz com o seu apoio, mas ele é seu marido, não quero atrapalhar a sua vida. – Mais do ele atrapalhou a sua é impossível, amanhã Conversaremos temos muitas coisas a serem esclarecidas.
--No dia seguinte logo que o sol raiou o coronel deu uma volta pela fazenda percebendo o quanto seu amigo Antero cuidou bem dela em tão pouco tempo. Os poucos recursos dos quais ele dispunha estavam investidos em lavouras de subsistência, animais de sela, porcos, ovinos e caprinos, embora fosse a pequena escala. Esse fator o deixou confortado atenuando um pouco seu peso de consciência. Agora mais do que nunca seu desejo era amparar sua viúva!
(Continua na próxima semana)