O Coto Domador e a Trapezista
Para Zezinho domador
Não tinha nada pior
De que ser um astro
De um braço só
A estrela de um circo
O ultimo a entrar no picadeiro
Um sucesso sem cor
Um mágico pesadelo
Bem achava ele
Que na falta de um braço
Todas as glórias
Cheiravam a fracasso
De que adiantava
Tanto sucesso nos holofotes
Sendo nas ruas, dia a dia
Vitima de tantos deboches
Assim seguia o cotó
Enfrentando seus dilemas
Mesmo no picadeiro
Achava-se digno de pena
Até na jaula com os leões
Duvidava da própria competência
E que a plateia que o aplaudia de pé
Ria de sua deficiência
Mas, talvez, seu maior drama
Fosse a falta de amor próprio
As desventuras platônicas
Viciava-lhe feito um opio
Só desfrutava suas musas
Em sonhos ardentes
Algo aquém do tato
E tão vivo em sua mente
Contudo, a nova trapezista
Poderia mudar sua história
Ele depositou toda a esperança
Na bela e amada Glória
O único ser que o tratava bem
Não ligava para sua deficiência
A moça alavancou a autoestima do coto
Acreditando a ele suas confidencias
Um dia, o cotó confuso
Tomou uma drástica decisão
Partirá decidido para tenda da amada
Para revelar sua paixão
Mas ao chegar à porta
Acabou indo para o inferno
Ao ouvir ela em gozo suspirar
O nome do halterofilista Marcelo
O domador ficou desesperado
Pensou da trapezista se vingar
Tirou o chicote da cinta
Quase chegou à tenda entrar
Porém, antes de tomar tal atitude
Levado pelo impulso
Uma cigana o puxou pelo braço
Dizendo que havia outro recurso
“Bem, meu caro amigo
Eu tenho que lhe dizer a verdade
Não posso lhe dar de sua amada o coração
Mas posso lhe ofertar junto a ela a eternidade
Claro que desafiar o destino
É uma escolha inconsequente
E ficar para sempre junto à amada
Pode não ser uma escolha prudente”
Mas, o cotó disse a cigana
Com toda a convicção
Que a pior das escolhas
É não alimentar o coração
E que estaria disposto
A um alto preço de o destino pagar
Para por toda eternidade
Junto à amada ficar
E seguindo com o plano
A cigana chamou a sobrinha adolescente
Que seduziu a halterofilista
Com uma essência caliente
E fotos do adultério
Fora entregue numa carta anônima
Deixando a trapezista apaixonada
Atordoada e atônica
A trapezista desesperada
Fez o que era evidente
Saiu para ser consolada
Na tenda de seu confidente
E ao sentir a amada em seu braço
Derramado lagrimas sem consolo
Cotó saciou sua vingança
E pois fé no destino em dobro
E diante de tanta tensão
Passaram a noite acordados
Só pelas sete da manhã
Foram pelo sono dominados
Quando acordaram, já tarde
Desesperados começaram a correr
Pois já estava quase na hora
De começar a matinê
Assim seguiram para o espetáculo
Totalmente desconcentrados
Nem mesmo os leões
Foram aquele dia alimentados
Já dentro da jaula
O domador em estado de letargia
Ficava a admirar a amada
Que fazia no alto acrobacia
A plateia percebendo
O desinteresse da estrela maior
Começou a vaiar o espetáculo
Ai, foi que aconteceu o pior
Os leões famintos com a algazarra
Ficaram ainda mais enervados
E um, num golpe violento arrancou
O braço do domador desconcentrado
A plateia ao ver a cena
Gritou e agitou-se horrorizada
A trapezista tomou um susto
E perdeu o fio da meada
E pegando carona com a gravidade
Gritou em profundo desespero
Até que num choque aterrador
Espatifou-se no centro do picadeiro
O domador mesmo sem braços
Era hábil para das feras se livrar
Mas vendo a desgraça da amada
Decidiu ao destino se entregar
O circo seguiu em frente
Deixando duas cruzes juntas ficadas
Assim o domador ficou eternamente
Ao lado de sua amada.