Conto menor

Em 1991, aconteceu algo extraordinário. Segundo andar do edifício União, uma sala, um momento diferente de tudo que eu já havia vivido.

Aqueles dias pareciam dias de Alfred Hitchcock. O suspense se fazia no ar. Vivi dias intensos que só agora percebo.

Eu era vigiado a todo instante, meus sentidos me alertavam para aquela realidade. De repente o telefone toca:

- Alô!

- Sou eu, tudo certinho por aí?

- Aqui, tudo bem!

- é eu sei!

Sua voz parecia ofegante, queria perguntar onde ele estava, mas o que importava? Como eu sempre fora apegado a detalhes, fiquei impressionado com aquele “ Eu sei”.

Fui até a janela da sala comercial e olhei para fora em todas as direções, não avistei qualquer possibilidade de estar sendo observado. Pensei no prédio da frente, um hotel, pagaria um quarto para de lá, atrás das cortinas me vigiar em boa posição com visão para dentro da sala?

Todas aquelas possibilidades me perturbavam, então pensei em não fazer nada, me mexer o menos possível, daí imaginei uma câmera escondida no ambiente, procurei por toda parte. Tudo parecia normal. A sensação em mim aumentava, sufocava, parecia que eu estava em êxtase. Percebi nitidamente, mesmo sem nada ver, que dois olhos me observavam.

Não deixei transparecer as minhas sensações e bolei uma estratégia, lentamente revistei todo o ambiente: livros, gavetas, embaixo da mesa, nada, nada mesmo... Só o relógio na parede me intrigava, não cheguei a retirá-lo, estava muito alto fiquei com forte impressão, de repente a porta de abre.

- E aí?

- Tudo tranqüilo?

- Veio alguém?

- Só uma pessoa...

- É eu sei, o que queria?

- Alugar uma casa.

- Ah!

- Vou indo nessa, já é hora.

- Volta amanhã?

- sim, cedo estarei aqui.

No dia seguinte abro a sala e penso no que teria sido aquilo no dia anterior. Se meu amigo é um espião internacional deve haver mensagens espalhadas nesta sala. Passei a procurar pistas que me revelassem alguma coisa. Derepente, o computar, sim haveria de ter alguma coisa escondida no computador. Procurei por toda parte, achei textos na língua inglesa, não pareciam letras de música, era um texto profissional, bem estranho. Queria traduzir, acabei desistindo, aquilo iria me complicar, pensei na possibilidade de alguém chegar derepente e me ver ali com a tela naquele texto, fechei e esqueci o resto.

Passaram-se os dias, visitas estranhas e meu colega cada vez mais nervoso, ora parecia desorientado, ora bufava, ora praguejava, ora dizia que Deus não existia.

Pensei em afirmar o contrário para ele, então ele que parecia ler os meus pensamentos teve a brilhante idéia de me desafiar.

- Se Deus existe mesmo quero que algo real aconteça aqui agora, vamos ver... Que esse computador pare de funcionar! Exclamou!

E parou, ficou parado, paradinho, congelou, no mesmo instante. Daí eu perdi as palavras, porque eu parecia também congelado e suspenso entre nuvens, fora da terra ou se melhor preferir fora de mim, coisa estranha aquela, uma sensação de que naquela sala havia mais gente do que podia caber e só estávamos nós dois.

No dia seguinte a noticia, iria entregar a sala, arrumou em caixa seus pertences, vendeu suas linhas de telefone, pegou todo o seu dinheiro e investiu na bolsa de valores. Isso parecia loucura, aquela atividade o deixaria pobre. Perguntei:

- O que você vai fazer agora?

- Vou procurar uma nova atividade

- Você tem algum receio?

- Estou com problemas que envolvem muita coisa.

- Porque não continua com a vida que leva?

- Cansei!

- Deve achar que vou pô-lo na justiça do trabalho.

- E vai?

- Vou pensar...

- Vai pensar? Pode por, não tenho medo não!

Eu não iria fazer aquilo, mas estranhei nada fazia sentido, mais ainda quando certa senhora com traje típico inglês, chapéu negro, com véu sobre o rosto, vestido negro e luvas brancas e rendadas adentrou a porta, me foi apresentada como sua mãe. Fiz um aceno cortez, apertei a sua mão e observei bem a figura. Nada havia de semelhante, nada que denotasse parentesco. Ele um alemão alto com corpo extremamente dilatado, não poderia ter saído daquele ser franzino, mirado esquelético de um metro e meio de altura que estava ali na minha frente.

Percebi que entre eles, mãe e filho não havia nada de carinho, tudo era mesmo uma farsa, era mais uma espiã apenas apanhando mensagem para onde eu não sei...

Quem desconfia logo indaga.

- Onde mora a sua mãe?

- Ela não mora no Brasil.

- Ah!

- Ela vive na ponte aérea, sai de um avião e entra logo em outro, de um país a outro país.

- Hum! Viajada hem!

E a conversa parou por ali. Eu era ingênuo demais para aquela disputa, nada entendia de espionagem, mas não era cego. Observava que o meu amigo lia todo tipo de jornal, lia sem parar, recebia os principais jornais do país e para quê?

Aparentemente não precisava daquilo, não era empresário, não tinha negócios, nada de que carecesse de informações seletas. Quando muito alugava ou vendia algum telefone e disso vivia, qual seja mal dava para as despesas, ora, era evidente que havia dinheiro vindo de outra fonte.

Certo dia indaguei movido pela curiosidade, desculpa arrumada, a esposa trabalhava.

Tudo encaixotado pôs à venda a sala e foi para casa. Passou alguns meses e veio à notícia, se matou com gás de cozinha. Preparou tudo antes de morrer, levou tudo o que tinha para casa, comprou apólice de seguro, depositou o que tinha de dinheiro em nome dos filhos, aliás, só mesmo o que restou, perdera quase tudo na bolsa de valores, todo o seu capital, não suportou tal realidade, teria que começar tudo de novo, se sentiu um lixo, num país sem futuro e foi o fim, o seu fim.

Aldeir
Enviado por Aldeir em 08/12/2012
Reeditado em 02/03/2013
Código do texto: T4025846
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