História de um coração

História de um coração

Foi n´um deslumbrante e luminoso dia; na sala de anatomia; sobre a pedra glacial como um fardo qualquer, desnudo havia um corpo esbelto de mulher.

Encontraram-no além na via férrea; e ao lada daquele corpo moço; o crânio deprimido, donde deduzia ter sido certamente que aquela infeliz mulher, vítima de um acidente.

Esperaram ninguém o reclamou! Mandaram-no depois daquele trágico dia, como presente régio a douta academia.

Quando Guilherme entrou; ao velo disse rido. Que corpo escultural, que corpo esbelto e lindo! Que pernas, como são bem feiras, e olhava com volúpia aqueles rijos seios.... Rapazes venham ver que estátua magistral de uma Vênus de Nilo ou tanto original... E por mais singular que fato pareça, ela tem braços sim, mas falta-lhe a cabeça. Que pena um corpo assim ser destinado á vala!

Neste instante uma algazarra forte invadiu toda a sala. Todos queriam ver aquele corpo perfeito sem reverência alguma sem nenhum respeito; fazendo constatar com aquela algazarra forte a alegria da vida ou a tristeza da morte.

Silêncio, ai vem o professor! Neste instante com a fisionomia austera o mestre entrou; e detendo-se a frente e escolher entre instrumentos vários o que para cotar era mais necessário.

Afinal rodeado por toda estudantada. “VAMOS HOJE ESTUDAR O CORAÇÃO,” disse o velho sábio com a voz lenta e pausada. E o agudo bisturi enterrando no colo do alabastro, esgana os tecidos, os seios emurchecem. Estes homens impiedosos assim até parecem com lances tão brutais de fera canibais. E do professor as grandes mãos estranhas saúda com volúpia o fundo das entranhas, arrancando de lá com todo precaução todo rubro de sangue o pobre coração. Nas mãos do velho sábio ei-lo agora ocilando. Parte-o Guilherme ordena. O rapaz empunha-se na adestra a sorrir e pensar que aquele coração em breve irá cortar. Mas é que tremem as mãos os nervos não reagem para cortar o coração daquela desconhecida como se nele houvesse o palpitar da vida... Novamente tenta espedaçá-lo vai; mas de súbito o bisturi lhe cai! - Então, que tens? Pergunta-lhe o professor surpreso. Coisa estranha!... Enquanto que todos olham o pobre rapaz que cheio de emoção resolve não corta aquele coração. E a tarde ao regressar á casa pensativo; sem puder atinar porque motivo uma tristeza atrós no fundo da alma sente. E por acaso compra um jornal e ler amargurado. E vem saber desesperadamente que aquele corpo que retalharam guardava o coração de sua noiva ausente!

Lício Guimarães
Enviado por Lício Guimarães em 03/12/2012
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