O Caso dos Balões
A varanda da casa de seu Nélson abre-se para um imenso pé de tamarindo, cuja copa representa o frescor da tarde para quem se senta nas cadeiras e tece conversas de causos e mexericos da vizinhança. Diante de um copo de limonada bem gelado, está um jovem de olhos brilhantes e miúdos, lábios finos e mãos agitadas. Os cabelos lisos e negros fazem um movimento na testa fazendo com que ele tenha de erguer uma das mãos compridas e, nisso, um dos ouvintes pondera:
_ Pedro, não é melhor cortar esse cabelo?
Seu Nélson, sentado numa preguiçosa, avalia a situação e comenta que fiquemos em silêncio para entedermos a história. Impossível não atender a esse homem – examinado-se suas feições e o tom de voz que usa ao articular, uma calma nos vem de mansinho, depois... ela se apodera de nosso corpo e todos ficam numa fisionomia de quem é capaz de passar horas ouvindo.
Essa ideia me passa enquanto meu espírito vai do sentimento de ternura pelo dono da casa e de uma expectativa por quem narra os fatos.
Nesse momento, madrinha Alice vem buscar os copos do suco, deixando outros limpos e uma jarra com água em cima de uma mesinha.
Ouço, como quem sabe de um fim engraçado, e por causa disso, meus olhos também têm o riso e o brilho de coisas boas.
Devo lembrar de que um tamarindo de quase cinquenta anos tem um tronco grosso, o que equivale a dizer que já é uma parte da frente da casa. Sabendo disso, pode-se chamar a atenção para o vento que passa da folhagem para a varanda, onde sete pessoas estão com os pensamentos ardendo de curiosidade.
A cadeira em que Pedro está sentado tem as pernas da frente erguidas para o encosto das costas ficar de encontro à parede. Um movimento para frente e se ouve o som dessas pernas batendo no chão bem no exato instante em que pergunto se ele realmente roubou uma mulher no povoado vizinho para casar. Em cidades do interior do Piauí é comum se ouvir essa palavra quando se quer fazer referência ao fato de um homem passar a noite com uma moça antes do casamento. E é certo que ele teve de casar, pois usava uma aliança no anular da mão esquerda.
Agora qual foi o motivo de ele ter saído às pressas com seus balões em pleno festejo da padroeira local, disso não se ouve resposta.
Pedro, tão parecido com meu pai, finge não ter ouvido esse último questionamento e passa a contar que sua mulher sabe dos afazeres domésticos e que ainda tem tino para os negócios. Mas um homem de uns cinquenta anos sente-se magoado com o desvio do assunto. O tom zangado de papai, qualquer coisa nesse sentido, faz com a resposta seja, pode-se dizer, arrancada de Pedro.
Quando, após vender os balões na penúltima noite da festa religiosa, conta Pedro, quis descansar um pouco de ficar horas em pé, resolveu, então, amarrar os balões num portão de uma casa nas proximidades da igreja, não notando de que era a residência paroquial e de que o padre tinha um macaco. Vê-se claramente que as lembranças deixam o jovem desconfortável, pois as palavras saem-lhe pesadas e com tristeza. Teria o macaco pulado nos ombros de Pedro? Uma coisa é certa: não fossem os olhos dele já pequenos, estariam agora. Isso nos deixa apreensivos. E ele narra que tão logo prendeu os cordões numa das peças de metal do portão, o macaco os soltou e como os balões estavam cheios de gás começaram a subir com o animal preso neles.
A história tem seu lado engraçado, mas como Pedro verdadeiramente é querido por todos, apenas se ouve “Meu Deus!” em unânime e, enfim, sabe-se que o macaco soltou-se dos balões ainda quando começaram a subir diante dos gritos do padre.
Ninguém fala nada com receio de dizer algo que não agrade ao jovem. E ele mesmo diz que tem suas razões para não gostar mais de macacos. E ri para quebrar o ambiente tenso gerado pelo fim da narrativa. Eu é que desde então não posso mais ver balões que não me lembre do caso.