Grito Sufocado
Pq cada palavra omitida e resguardada no peito o servia de combustão à alma. Aquecia e queimava até virar cinzas. Pq cada sentimento oprimido o sufocava, contorcia as palavras, atravessava o peito, atingia a alma, não desaguava. Cada silêncio era um consentimento, uma agressão a si próprio, uma ferida tricotada pelas palavras reprimidas, caladas ao som da dor. Pq se calar era abdicar-se de si, dos seus ideais, da sua essência. Era concordar com o abuso causado pelos outros a si próprio. Pq se calar era morrer, viver só por viver, ocupando espaço. Um peso morto sem uma real importância, sem qualquer utilidade.
Pq não se ouvir era crucial. Não se sentir era aterrorizante demais, o assustava, o mudava, o moldava... o igualava. Pq ao falar não falava dos livros, das músicas, dos filmes, das pessoas. Falava da vida, da sua vida. Daquilo que ao decorrer de cada passo dado durante estes 20 anos aprendera, conquistara e crescera. Falava de si, dos seus sentimentos e daquilo em que acreditava, ainda que isso parecesse clichê demais para outros.
Observava as linhas e das entre-linhas retirava sua inspiração, baseava-se, sobrevivia, vivia. Das entre-linhas aprendia e absorvia o que era dito sem o uso limitado das palavras. Falar era uma forma de dizer à vida: -Eu estou aqui! Sobrevivi e continuo sobrevivendo! Falar era expor sobre um chão de giz pedaços seus, era destrinchar seu peito em um cardápio misto entre o seu melhor e pior. Era levantar a sua própria bandeira, à sua maneira. Sem maquiagens, sem malandragem, sem padrões. Pq falar era tentar transfundir para o papel aquilo que a voz não conseguia emitir. Era dar voz ao coração, à alma. Era dar voz ao silêncio quando os olhos decidissem chorar e ainda assim falar, gritar, exprimir para não poder se calar.
Pq se calar era morrer em partes, morrer aos poucos por não dar voz ao peito e sufocar o coração. Era deixar esvair por debaixo da porta e comportar no peito um grito sufocado.