Um causo muito estranho
Esse causo aconteceu há muito tempo e causa certa estranheza de sentimentos quando é contado novamente aos filhos e aos filhos dos filhos.
Aconteceu quando a Dona Lurdes que era casada com o Dirceu caiu num poço a descoberto; foi por descuido quando ela estava estendendo as roupas no varal. Caiu e não foi mais vista. Como o poço era de terra, o marido tinha esperanças de que a Dona Lurdes estivesse viva porque poderia ter se agarrado em alguma raiz que teria por ali.
Mas nada, nem gritos foram respondidos e tampouco alguma vara encostou o fundo. Deveria ter mais de 10 metros de profundidade e nesse caso, não haveria como prestar algum tipo de socorro, mas mesmo assim o pessoal tentou de tudo, corda, vara, escada; mas como não encontravam o fundo, ficavam com medo de tentar entrar mais.
Deu-se por morta a Dona Lurdes e o poço recebeu uma tampa de dormentes.
Fizeram o velório e o enterro sem o corpo. Foi muito triste.
Aconteceu quando o vizinho do viúvo teve que ir para Chapecó e durante a espera de um determinado assunto, ele viu a Dona Lurdes passando. Passava assim, normalmente, como se nunca tivesse caído no poço. Ficou tão amedrontado que o primeiro chamamento não passou de um grunhido. No segundo chamado ela já ia longe e provavelmente não escutou. O vizinho mal podia levantar-se de onde estava e não foi possível ir atrás dela.
Quando voltou à Campina da Cascavel não encontrava uma forma de contar ao viúvo que ele não era mais viúvo e que a suposta morta estava em Chapecó, bela e formosa. Não, não diria isso porque pareceria sarcasmo diante da desgraça do homem. Criou coragem e foi lá, contou tudo e explicou que a surpresa foi tamanha que não conseguiu ir atrás da Dona Lurdes.
Pois o Dirceu então se bandeou para Chapecó de mala e ficaria no hotel até que encontrasse a Dona Lurdes. Não passou muito tempo para o Dirceu encontrar a falecida na missa de domingo. Abordou-a cheio de perguntas e a Dona Lurdes, que não era mais Dona Lurdes e sim Cláudia disse não conhecê-lo jamais e que não ficava bem a uma moça de família ficar conversando com um desconhecido. E foi embora. Dirceu foi atrás dela e não acreditava no que ouvira e tampouco acreditava nos olhos perplexos que ela tinha.
No segundo encontro - pois o Dirceu não se conformava com a situação - disse que era o marido dela e então a Cláudia deu uma risadinha envergonhada como a apaixonar-se. Dirceu sentiu que sua esposa era uma completa estranha e que para que ela voltasse para casa teria que recomeçar tudo de novo, tudo o que já tinha acontecido há dez anos.
Então Dirceu parou no meio de uma frase, deixando Cláudia a espera de alguma palavra, qualquer coisa, mas aí ele franziu o queixo, olhou para o nada, deu meia volta e foi embora. Passou no hotel, pagou a conta e pegou suas coisas. Deixou a Cláudia lá, apaixonada e sem entender patavina.
Acontece que o Dirceu, de um momento se sentiu livre. Não precisava fazer tudo aquilo por sua esposa morta agora viva, já que possivelmente nem seria a mesma, apesar de que ficou com sérias dúvidas quando viu os quadris a mexer por debaixo das saias quando trocava o pé de apoio no chão. Era Lurdes sim, com certeza.
Mas que diabos! Pensou. E se ela tinha fugido? Não, ele a vira caindo no poço num passo em falso. Era outra, era Cláudia como ela lhe dissera. Mas e o rosto, os quadris, tudo igualzinho, inclusive o mesmo brilho apaixonado nos olhos. Não, não pensaria mais nisso, e súbito sentiu uma saudade de fazer amor com a Lurdes e pensou que o amor da Cláudia fosse diferente e então voltou para Chapecó.
Encontrou a Claudia na saída da missa e lhe fez a proposta indecorosa. “Só casando”. Disse-lhe a moça. E não houve dizer isso ou aquilo e mostrar a aliança em seu dedo – o que piorou a situação – e dizer a data e como ela estava vestida no dia do casamento. A Cláudia extremamente ofendida saiu do pátio da igreja chorando. E todo mundo que estava ali olhou para ele.
Foi embora pensando que tinha feito amor com a Lurdes por dez anos de sua vida. Daria lugar para outros amores. Sabia que o vizinho com a palavra de que não era a Lurdes e sim a Cláudia, não tornaria a falar no assunto e foi então que teve uma ideia: E se tivesse acontecido que a Lurdes caiu no poço, se agarrou em alguma raiz e fugiu enquanto ele estava em busca de socorro?
A essa dúvida cruel e muito vívida, devido à falsa identidade de Lurdes, sentiu que talvez houvesse alguma coisa no poço que tinha salvado a vida da mulher, e que então ela estaria mentindo descaradamente e sem pudor, inclusive com o disparate de casar duas vezes. Só que com nomes diferentes.
Oras, pegou o cavalo e retirou os dormentes de cima do poço com uma fúria de enganado que dava dó.
Quando apertou os olhos para dentro daquela escuridão, escorregou, mas conseguiu se segurar numa raiz próxima da saída. Escutava somente as batidas de seu coração e então ouviu a voz da esposa chamar-lhe muito baixinho e num tormento de saudades quase se jogou lá para dentro, se não fosse o vizinho a lhe segurar pelo cangote da japona.
Voltou a fechar o poço com os dormentes e partiu para sempre em direção à Chapecó.