Olavo da Penha Cazumbá (heterônimo)
Corriam os anos de 1853 a 1855, mais ou menos. Nesse tempo eu trabalhava para um notário, filho do meu antigo senhor, que era dono de uma fazenda de gado no sertão da Bahia, já falecido.
Um dia bem cedinho, Áurea, minha colega de atendimento, me interpelou ao chegar e se queixou de cansaço, depois de um fim de semana puxado atrás do palquinho de mamulengo, agora tendo de pegar no batente segunda-feira de manhã no cartório.
Depois de dar-lhe um gostoso abraço tonificante, a seu pedido, eu lhe disse:
- Eu já estou acostumado a isso, minha fânti: a sair dos meus êxtases e cair na vala do trabalho árduo e rotineiro... Fazer o quê, não é mesmo? Pior era no tempo mais severo do cativeiro, no início do século, vamicê não era nem nascida. Muitas vezes eu dormia somente umas duas horas na noite de domingo pra segunda, depois de uma movimentação muito intensa no fim de semana. Além de cativo, eu era dançador e compunha algumas cantigas, pra animar o povo da senzala e a mim mesmo.
Eu ficava tão feliz segunda-feira de manhã, ainda ouvindo o eco da vadiagem, que nem sentia a chibatada me esquentar o lombo pra eu esquentar o ferrete e começar a marcar os bois no curral...
Pois é. Foi um tempo duro, mas que não me endureceu o coração. De alguma forma, a arte me pensava as feridas da alma, e assim eu cicatrizava mais ligeiro as feridas do lombo.
Percebendo que ela melhorou o semblante, arrematei:
- Bem, minha fânti, agora vá trabalhar, pra garantir as patacas da alforria! Hoje é dia de branco, e o nosso vai chegar daqui a pouco, pra nos ver nas carimbadas.
Ela riu aliviada, exibindo as carreiras de dentes branquíssimos, me devolveu o abraço e, caçoando de mim, foi fazer atendimento, cantarolando um dos meus refrões:
“PRETO VELHO TARTARUGA,
CASCO DURO NA MADRUGA,
FOI FORJADO BUROCRATA
NO CARIMBO DA CHIBATA.”
Olhei pra ela com ternura e corri pro meu birô.
O abraço também aliviou as dores lombares que eu vinha sentindo há algum tempo. Queixa de velho.
Bati carimbo mais contente nesse dia.
Corriam os anos de 1853 a 1855, mais ou menos. Nesse tempo eu trabalhava para um notário, filho do meu antigo senhor, que era dono de uma fazenda de gado no sertão da Bahia, já falecido.
Um dia bem cedinho, Áurea, minha colega de atendimento, me interpelou ao chegar e se queixou de cansaço, depois de um fim de semana puxado atrás do palquinho de mamulengo, agora tendo de pegar no batente segunda-feira de manhã no cartório.
Depois de dar-lhe um gostoso abraço tonificante, a seu pedido, eu lhe disse:
- Eu já estou acostumado a isso, minha fânti: a sair dos meus êxtases e cair na vala do trabalho árduo e rotineiro... Fazer o quê, não é mesmo? Pior era no tempo mais severo do cativeiro, no início do século, vamicê não era nem nascida. Muitas vezes eu dormia somente umas duas horas na noite de domingo pra segunda, depois de uma movimentação muito intensa no fim de semana. Além de cativo, eu era dançador e compunha algumas cantigas, pra animar o povo da senzala e a mim mesmo.
Eu ficava tão feliz segunda-feira de manhã, ainda ouvindo o eco da vadiagem, que nem sentia a chibatada me esquentar o lombo pra eu esquentar o ferrete e começar a marcar os bois no curral...
Pois é. Foi um tempo duro, mas que não me endureceu o coração. De alguma forma, a arte me pensava as feridas da alma, e assim eu cicatrizava mais ligeiro as feridas do lombo.
Percebendo que ela melhorou o semblante, arrematei:
- Bem, minha fânti, agora vá trabalhar, pra garantir as patacas da alforria! Hoje é dia de branco, e o nosso vai chegar daqui a pouco, pra nos ver nas carimbadas.
Ela riu aliviada, exibindo as carreiras de dentes branquíssimos, me devolveu o abraço e, caçoando de mim, foi fazer atendimento, cantarolando um dos meus refrões:
“PRETO VELHO TARTARUGA,
CASCO DURO NA MADRUGA,
FOI FORJADO BUROCRATA
NO CARIMBO DA CHIBATA.”
Olhei pra ela com ternura e corri pro meu birô.
O abraço também aliviou as dores lombares que eu vinha sentindo há algum tempo. Queixa de velho.
Bati carimbo mais contente nesse dia.