PEDRO CATIREIRO

Pedro Catireiro era um conhecido "muambeiro", e que andava pelas fazendas "catirando" mercadorias de todos os tipos por qualquer produto que encontrasse: galinha, ovos, queijo, bezerro, cavalo, etc.

Sempre aparecia montado em sua mulinha e puxando um enorme cavalo preto com os balaios onde transportava as mercadorias. Aquilo era muito engraçado, pois ele era bastante magro e tinha uma altura elevada, de maneira que os seus pés quase tocavam no chão, o que só não acontecia por causa dos estribos do arreio. Os moradores da região diziam que o mesmo tinha um apego anormal pela sua montaria, inclusive, que se servia dela em "certas" ocasiões. Mas, o fato é que era cheio de cuidados com o animal, deixava que andasse na toada em que quisesse, falava com ela durante as viagens, até permitia que parasse para comer alguma touceira de capim mais bonita à beira do caminho. Já com o cavalo era estúpido, vivia xingando-o de nomes feios, e não era raro que lhe desse umas chicotadas.

- Tá vendo esse moleirão que vem atrás de nós, Belinha? Está ficando velho demais, já anda meio caduco, vou acabar trocando ele por um mais novo, ou então vendo ele pro frigorífico, e pronto. Fique descansada, viu? Eu nunca que vou querer ter nenhuma outra fêmea, não precisa ficar com ciúmes, hein! Vou comprar um outro cavalo, desde que seja mais esperto , só que preto nunca mais, porque essa raça é muito pirracenta e dá muito trabalho, né? Só você que eu não dou, não troco, não vendo, não empresto, mas é de jeito maneira, tá bom? Nós dois vamos morrer juntos, se Deus quiser! No dia em que você se for, minha jóia, eu prometo que vou beber furmicida, na mesma da hora ...

Era sempre assim enquanto seguiam de uma fazenda à outra. Os assuntos variavam, sendo o principal uma paixão platônica que o Pedro nutria pela Vilma, uma mulata daqueles tipos de cara feia, e que não dava trela para nenhum marmanjo, embora já estivesse se aproximando dos seus trinta anos. Nunca teve nem coragem de lhe declarar o seu amor, porém, não perdia qualquer oportunidade de vê-la trabalhando igual a qualquer homem no roçado da sua família.

- Pois é, Belinha, confesso que estou com saudade daquela diaba, mas sei que não adianta nada, porque ela nem me olha, cumprimenta a gente com aquela secura azeda, até parece que não conhece ninguém! Ou será que o nome disso é soberba, hein? Sei lá, acho que vamos dar uma voltinha e passar por lá, depois, que diferença faz, se vamos chegar na fazenda Matão hoje ou amanhã, né não? Quem sabe se ela não solta os "burros" lá dela, e me dá um pouquinho da sua atenção? Ah, pode ser que já tenha percebido que gosto mesmo dela, e então, pode acontecer também de me convidar para passar a noite na casa dela! Quem espera sempre alcança, concorda comigo? É como diz aquele ditado "àgua mole em pedra dura tanto bate até que fura", certo? Tá decidido, nós vamos é prá lá, e é prá já ...

E assim faziam todas as semanas, sem falhar nenhuma, há pelo menos uns dez anos. Bastante conhecido da família dela, era recebido com o devido respeito, mas ela sempre permanecia calada e de cabeça baixa, parece que olhando os próprios pés, ou talvez alguma formiguinha que estivesse passando por ali, sabe-se lá. Poucas vezes lhe compravam alguma bugiganga, mas não eram os negócios que o moviam, certamente, porque era pouquinha coisa, quase nada, apenas um ou outro corte de tecido barato. O interesse era outro e tinha nome: Vilma. Chegou a tentar uma estratégia diferente, em certa ocasião, quando chegou já bem tarde, pensando em pelo menos jantar, ou quem sabe, pudesse dormir perto da moça, mas que nada, não foi convidado, e ainda teve que passar aquela noite no meio do cerrado.

Ninguém lhe negava o pouso, pois era considerado um sujeito educado e respeitador, além de saber as principais "novidades" ocorridas na cidade, onde ia mensalmente para comprar os seus "trecos", muitas vezes sob encomenda das pessoas que moravam naquela região. Como era um bom papo, todos queriam ouvir as suas estórias, muitas aumentadas, nunca inventadas, que não era bobo de cair em contradições. Uma delas, e que deu conversa por bastante tempo foi a morte do presidente Getúlio Vargas, devido ao fato dele ter cometido suicidio com um tiro no ouvido, mesmo que tivesse ocorrido há mais de três meses, mas isso ninguém sabia, já que o rádio naquela época só servia de enfeite nas salas dos fazendeiros. Para ilustrar o que dizia, mostrava-lhes uma revista Manchete estampada com uma foto do homem segurando um revólver perto do ouvido, numa montagem fotográfica, lógico, pois ninguém viu quando ele se matou.

Certa vez, numa dessas suas costumeiras pousadas na casa de uma família conhecida, ocorreu um "acidente" de percurso com ele. Chovia muito, naquele tempo, nas casas não havia banheiro, então todos faziam as suas necessidades fisiológicas geralmente nos quintais, atrás de uma moita qualquer, sendo que se limpavam com folhas ou sabugos. Então, antes de dormirem, todos iam ao "matinho", mas naquela noite ninguém saiu lá fora, porque parecia que o mundo ia derreter com tanta água que caía.

Pois bem, o Pedro havia comido um arroz doce meio quente após a janta, e aquilo lhe provocou um violento desarranjo intestinal, daqueles difíceis de se controlar. Não teve nem tempo para se aliviar, mesmo dispoto a enfrentar a forte chuva, e acabou "sujando" na roupa, e foi muito, ainda na cama, o que provocou um mau cheiro medonho, muito semelhança com uma carniça .

Sem qualquer opção melhor, o jeito que ele encontrou foi sair de fininho, ainda de madrugada, arrear os seus bichos e cair no mundo, todo ensopado, e morrendo de vergonha. E isto fez com que abandonasse a profissão de mascate, porque a história correu na região, como um fogo ladeira acima. Foi embora dali para sempre, e ninguém teve mais notícias dele. Se levou a mula de estimação, também não se sabe, o certo é que ela também sumiu no mapa.