Campestre
A menina Rosa viu a tropa se aproximando do norte. Ela estacou curiosa e foi saudada pelos cavaleiros.
— Guria, onde encontramos água nestas bandas de cá?
— Lá no tanque lá embaixo.
Ela desceu até a represa e encheu dois baldes com água para os viandantes se saciarem. Os tropeiros desmontaram das bestas e armaram pouso.
Rosa ouviu sua mãe chamando-a e a adolescente enrubeceu diante dos másculos tropeiros que riam.
— Não deixes tua mãe preocupada, guria. Vá-te que a noite já desce.
Na manhã seguinte, Rosa correu até o encosto para ver aqueles homens mais uma vez antes de eles partirem para os pampas longínquos. Um deles a avistou e se despediu retirando da cabeça o chapéu de abas largas. Era jovem, mas endurecido pela lida.
Naquele gesto cavalheiresco — o primeiro que Rosa recebia em sua vida — o tropeiro arrebatou consigo o amor daquela menina.
Meses se passaram com Rosa debruçada sobre os cotovelos na janela da choça. Homens, cavalos, mulas, bois, vacas, bezerros passavam, porém, o tropeiro gentil não.
Numa manhã gélida, com os prados cobertos com a fina geada do inverno, uma constelação de gado surgiu ruidosa no horizonte. Rosa despertou sobressaltada, como sempre ocorria quando ela ouvia o rumor de tropas vindas do sul. Ela correu para fora de casa e avistou o cavaleiro ao qual ela esperava. Rosa sorriu e recebeu um tímido sorriso em resposta. Eles se saudaram como velhos conhecidos, apartados por anos de dura separação. Contudo, a tropa não parou, prosseguiu em marcha forçada rumo a São Paulo.
Então, o belo cavaleiro de Rosa não mais apareceu.
Ela se casou, teve filhos; viu a rota de tropeiros tornar-se uma estrada e ser dominada por barulhentas caminhonetes; viu seu marido morrer; viu seus filhos e filhas se casarem; viu os netos nascerem; viu a estrada de terra ser asfaltada e os gigantes caminhões que por ela transitavam. Vez ou outra, uma carroça puxada por cavalos relembrava os antigos peregrinos que por ali passavam e traziam à mente de Rosa as alegrias de outrora.
Um dia, porém, um velho carcomido despontou, montado num pobre pangaré. Ele veio à casa de Rosa e pediu um copo d’água. Ela o convidou para entrar.
— Não, dona. Não entro em casa de viúva em respeito ao finado.
Rosa entrou e voltou trazendo um jarro de água. O velho sorveu vários copos e, por fim, demonstrou sua inquietação por partir. Ele retirou da cabeça o chapéu de abas largas e se despediu de Rosa, que então o reconheceu.
O homem que havia levado consigo seu coração, agora retornava para trazê-lo de volta.
Ela abriu um sorriso de dentes podres e se alegrou, pois o mundo havia mudado, mas o amor daquela mulher não.