Meu primeiro beijo
Era uma tarde de outono. Um dia radiante e eu me encontrava ali, num parquinho de crianças. Ora, na época eu tinha apenas 10 anos de idade.
A alegria não estava só no belo dia de céu límpido e azul cintilante. Pássaros por todas as partes emitiam os sons dos seus cantos misturando-se aos suaves gritos de alegria das crianças. E eu e ali, com elas, num dia perfeito brincando no parque.
Mas havia um motivo mais especial para todo aquele sentimento de harmonia. Um motivo de sorriso meigo, puro e encantador. De cabelos castanhos claros e ondulados até a cintura. De belos olhos redondos, castanhos e profundos. A maior de todas as belezas ali presente era aquela menina, linda, que os meus olhos não se cansavam de olhar. No meio de todos nós ela radiava e se destacava, brincando graciosamente conosco.
Já estava apaixonado por ela e demonstrava isso claramente, pois não conseguia esconder aquele sentimento arrebatador. Sabia que em algum momento eu precisaria tomar uma iniciativa. Mas qual? Nunca havia passado por aquilo antes. Estávamos sempre juntos, é verdade. Ela costumava corresponder ao meu olhar. Mas tinha medo. Um medo difícil de explicar.
No meio de toda aquela nossa brincadeira no parque, um dos nossos colegas sugeriu a da salada mista. Pronto, eu pensei. Era a minha oportunidade! Ela aceitou e me olhou. Eu, como sempre, olhando para ela, também aceitei.
No centro daquele parquinho havia um daqueles brinquedos enormes, com uma casinha em cima e brinquedos abaixo. Subimos até a casinha. Nossos colegas já sabiam o que sentíamos um pelo outro. Percebi então, que aquela brincadeira não passava de um pretexto deles para nos aproximar. Demos início então à brincadeira. Enquanto um dos participantes cobria os olhos dela com as mãos, eu e os demais ficamos de frente para eles, sem que ela soubesse das nossas posições. Então, o que cobria os seus olhos indicou um dos participantes e perguntou a ela:
- É esse?
Lembro-me bem do combinando entre nós. Quando chegasse a minha vez de ser indicado, o menino que cobria os olhos dela com as mãos, apertaria com mais força, para que ela pudesse saber que o indicado era eu.
Ela disse: - Não.
Finalmente chega o momento. Eu era o indicado.
Então ouvi do indagador: - É esse?
Ela então responde: - Sim.
O indagador continua: - Pêra, uva, maça ou salada-mista?
Então ouço aquela doce e fina voz responder:
- Salada mista.
Naquele momento senti um enorme frio na barriga. Salada mista valia um beijo na boca! Mas eu nem sabia beijar! O que antes era desejo se transformara em medo.
Eu era apenas um garoto tímido e estava ali, prestes a beijar a garota mais cobiçada dos meninos. Ela escolheu salada-mista! Assim como estavam os meus pensamentos e sensações naquele momento, uma verdadeira salada-mista.
Dei um passo em direção a ela prestes a encarar o bicho de sete cabeças do primeiro beijo. Encostei minha mão na dela. Senti a sua mão quente na minha fria. Me aproximei de seu corpo, olhei para os seus lindos lábios úmidos. Fui aproximando meu rosto ao dela. Tudo era silêncio. O mundo parara sob nossos pés. Fechei os meus olhos. Já não ouço, nem vejo, só sinto. Nada mais havia ali além de nós dois. Encostei meus lábios nos dela e deixei que o instinto da paixão se encarregasse do resto. E naquele momento que era tudo e não era nada, onde o tempo parara, descobri o que era o amor. Aquele escuro seguro e profundo iluminava o meu pequeno coração. Eu, o pequeno mago e ela, a pequena fada que realizava a magia do amor.
E ainda havia os que diziam tratar-se de namorico de criança. Eu sabia que era amor de gente grande. Na verdade, o amor de gente grande é amor de criança. O mesmo amor que eu sentia ali.
Afastei os meus lábios dos dela, abri os meus olhos, sorrimos juntos. Os pássaros voltaram a cantar, as crianças voltaram a brincar, o sol voltou a raiar. E nós, naquela casinha voltamos a brincar.