DONA EDITE.
DONA EDITE.
Caía à tarde como um vagabundo, que correndo o mundo gritava: Te amo.
Caía a noite como um vaga-lume, que brilhando a noite, iluminava fosforescente o corpo de uma mulher.
Pois é, foi assim.
Nos cafundós daquele mundo, onde o mais belo e mais prazeroso de momento era fazer amor.
Onde o mais gostoso de tudo era amar a mulher da nossa vida.
Sempre resultava em outro amor. O amor de uma nova vida. O amor de uma vida nascida.
Não se importavam, nem ela e nem ele.
Era paixão. Era amor. Era tesão.
Mas passados nove meses, ali se apresentava o resultado. Uma vida.
Uma vida que deveria ser vivida.
Moça feita. Coxas torneadas, como que marombadas em academia de malhação. Nada, seu moço.
Minhas coxas são lisas, suaves ao toque, firmes, não tem a tar de "cilulitiz, não".
Minhas pernas, minhas coxas, meus seios, minha boca, meus olhos, minhas mãos, meu corpo, são puros, são paixão, é amor, seu moço.
E assim sempre foi.
Amor, paixão, febre de amar, suor de amor, sufoco, tesão.
E sempre foi assim.
Moça casadoira, respeitada, desejada, idolatrada, homenageada, amada na surdina por vários homens.
Amada por um só homem. O homem da sua vida.
Conheceram-se no forró, do Luizão. Que de superlativo nada tinha. Só o nome.
Lua clara, azul, siriema cantando esperta. Vento fresco suavizando o momento. Perfume de água de cheiro.
Um beijo mais ousado. Uma carícia mais íntima.
Sou moça de respeito. Sou ainda virge. Vice?
Hormônios à flor da pele. Dela se fazia sentir pelo cheiro da fêmea linda e fogosa que era.
Dele? Ora meu! Não brinca. Era mais do que paixão. Era idolatria. Um corpo. Uma mulher. Uma paixão.
A lua viajava como um vagabundo que corria o mundo, em pleno celeste azul.
A lua testemunha, que na loucura do momento, no som distante da zabumba, do pandeiro, do triângulo e da sanfona, presenciava como única privilegiada, dois corpos, dois amores, um só momento. Um momento especial. Divino.
Suor. Sussurros. Beijos. Súplicas.
Calma. Delicadeza. Sutilidade. Entrega. De um? Não, dos dois.
Sim, eram dois.
Decorridos nove meses, eram três.
Casa, cabra safado. Casa se não te capo, seu filho de uma égua.
Painho?
Que painho, que nada. Ora se viu? Cabra safado.
Tonho! Oh, Tonho!
Traz a 44, que vou fazer um benificio que só.
Painho, num faiz não, vice?
Se eu num quisesse, num tinha de acontecido. Mata um só não. Mata três.
Vem cá seu filho de uma égua.
Casa ou não casa?
Seu Tico. Ora, ascuta, seu Tico.
Mais respeito, sô. Me chama de Jogisfralidino da Silva.
Pois é. Seu Jo, Jo, Josgis, Jojogigi. Pára, seu desinfeliz. Me chama de "seu Tico", pois tu tá mais gago que peido em dia de missa de bispo com a igreja cheia. Se peida de uma só vez, abre um clarão nos bancos. Se peida devagarinho, o pessoal não presta muita atenção. É como peido de gago. Sai nos poucos.
Casa? Caso!!!
Continuava linda. Com a maternidade adiantada, era mais linda. Pura.
Mãe.
Sublime conjuntura. Mulher e filho ou filha.
Tudo era sagrado. O momento. O ambiente. A luz. A água. Os panos brancos.
Corre. Corre que tá chegando a hora. As contrações já estão começando.
Choro fino de início. Chora forte? Não! É choro de dor, de cólica, de contração, de medo, do desconhecido.
Seu Tico!!! Oh, seu Tico, meu sogro. Panha a burrica mais o jumento, cata buscá Dona Edite.
Sol quente, suor salgado. Sol queimando a moleira. Cabeça fria. Cabeça quente.
Coração na goela. A dúvida. E se Dona Edite não se encontrar? Quem vai apanhar a criança?
Já era de noitinha, quando chegaram.
Ôh de casa! Ôh de casa! A janela se abre. Uma tênue luz de lamparina e de duas velas. Duas velas, para Nossa Senhora do Bom Parto. Que foi homê de Deus? Dona Edite. Minha filha, Clarinha, tá prá criá.
Vamos.
Oh, seu... acuma é seu nome? É Jogisfralidino da Silva, seu criado. Pois é seu Jogis. Cuma é mesmo?
Olha só, Dona Edite, me chama de Tico que tá de bom tamanho. Tamanho do quê? Do seu "tico" ou do tamanho do homem? Deixa de lado.
Jumento, carregando Dona Edite, como aquele que carregou Nossa Senhora, que fugia do Faraó, assassino de criancinha, de anjinho.
Luz se via de longe. Era luz de fogueira. Luz de lampião. Luz de vela de cebo. Luz de vida.
Deita, minha filha. Muita água. Panos limpos.
Os homes prá fora. Já viu? Prá fazer, ocês olha e acha bonito. Agora a coisa é... muito mais linda ainda. E ocês num tem o direito de vê.
Calma.
Vamos, assopra a garrafa. Isso, empurra com a barriga. Vamos que tá nascendo.
Não pára, sua... minha filha. Vamos, agora. Isso tá que aparece os cabelinhos. Vamos que aparece a cabeça.
Isto, não pára. Assopra. Isso.
Silêncio. Lá fora. Silêncio. Cá drentro, isto mesmo, cá drento, silêncio.
Uma, duas e três. Um choro. Uma vida.
Nasceu. Nasceu. Nasceu.
Enxuga o suor da testa. Toma água minha filha. Abraça. Isto mesmo, abraça. Sente o calor do fruto do teu ventre.
É macho?, pergunta seu Jogisfralidino.
Fecha a matraca seu Jogis, Jogis. Oh, Seu Tico? Vê se cala esta matraca e não fala bestagem.
Tudo é filho de Deus.
Foi mais um parto. Foi mais uma parição. Foi mais um ato de amor. Foi mais um ato de abnegação.
E pelo Dia Internacional da Mulher, que se comemora no dia oito de março, gostaria de deixar aqui a minha homenagem a todas as mulheres do Brasil, representada na pessoa de Dona Edite Maria da Silva, parteira, do meu Brasil.
Que Deus lhe abençoe, Dona Edite, pelas vidas. Pelas 2.000?
Não? Quantas?
Moço, parteira não faiz conta, faiz parto, sô !!!
Romão Miranda Vidal.