Tatuzinho

Tatuzinho

.Um - Homenzinho

“Um Rei? Um “ “Causo”... Um pé de jeriqueira!

Um jirau... Um grupião... serragens...

Sombras a proporcionar proteção contra o inclemente sol.

Frondosa árvore plebéia. Na praça, seus frutos de jirica no chão.

Unóculo... Um homenzinho folclórico!

Atarracado, largos ombros, braços e bíceps à mostra,

Fruto de malhação na academia? Trabalho duro isso sim, estímulo calórico.

Nada de “mamãe eu quero ser forte” a jovem moda... Brincadeiras!

Baixinho feio de cabelos crespos e russos – “negro aço”? Sacanagem.

Vez por outra caído nas calçadas, babando, estrebuchando,

Dormindo no duro chão.

Trabalho duro, serra longa a puxar de cima para baixo, a serrar toras e transformar

Em ripas e ripões, pranchas e pranchões, caibros e tábuas... A serrar, serrar.”

.Dois - Trovadoresco

O trovador estava sentado perigosamente no para - peito, na balaustra da ponte de pau sobre o rio de águas barrenta que corria preguiçosamente seguindo o seu eterno destino, com suas pernas sem apoio a balançarem no ar, no espaço a recitar em voz alta suas trovas.

`A boca a dançar sem lugar fixo, um longo palito, que de vez em quando era mordiscado e aparentava nojento babujo salivares. Nem aí ele continuava olhando alhures à jusante, acompanhando de longe as peraltices de dois meninos – um negro e outro branco -, que estavam a brincarem nas águas do rio, perto de uma de suas margens à sombra de uma touceira de bambus.

Nus... Mas eles estavam nus! Saíam das águas, subiam sobre uma pedra semi imersa à margem e de lá pulavam em mergulho. Várias vezes eles repetiam a perigosa e gostosa brincadeira. Dava para ouvir o som das suas algazarras...

Enquanto isso, na sua mente, a trova se desenvolvia. Era a sua “cachaça”!E de olhos fixos nos pivetes...trovava...

“Região de clima quente. Oh sol clemente.

Arborização deficiente,

Árvores frutíferas desprezadas. Vejam a manga... Ô chão quente!

O homenzinho, Um Tatuzinho? Sempre descalço, pés resistentes

Caminha sorridente.

Mas que daneira sô! Que danado de chão quente”!

.Três - Encontro

Os amigos após tomarem banho no rio e se divertirem bastante, saíram d’água e foram pegar suas roupas que estavam embaixo dos bambus, vestiram-nas e em seguida cortaram algumas varas de bambu para fazerem varas de pescar O corte e a limpeza das varas ficava para o Zeca, por ser mais hábil. A parte mais difícil ficava sempre para o Zeca, talvez por o mais forte. Nandú era lépido, mais franzino e... esperto. Conseguia sempre convencer o seu parceiro das piores tarefas.

Na alegria da pré- adolescência viviam as irresponsabilidades da idade...

Resolveram voltar para casa.

“Corre Zeca você não me pega. Suas pernas são curtas demais. Olha cuidado com os bambus, com as vara que cortamos para fazermos varas de pescar, não vá quebrá-las. As minhas estão bem amarradas. Vamos cara, vamos ver quem chega primeiro lá na ponte”.

“Pode ir à minha frente Nandú, não me importo. Este amarradão de varas está me atrapalhando. O meu amarrado é maior do que o seu. Você é bem folgado, só porque é mais novo e mais fraco”...

“Ah,ah,ah,... que nada cara ! Você é que é lerdo”...

E Nandú disparou na frente em direção à ponte de pau.

“Poxa Zeca, você está cada vez mais lerdo hein? Estou esperando... Olha lá no meio da ponte, sentado no para - peito, não é o senhor Osvaldino? Será o que ele está fazendo? Querendo pular? Só se ele ficou maluco... vamos nos aproximar”.

“Nandú, deixa pra lá, este velho é meio biruta e vai nos atrasar. Vai querer nos reter contando seus famosos “causos” que nunca têm fim”.

“Conversa Zeca. Eu até gosto de ouvi-lo, escutar as novidades, vamos lá cara”.

Aproximando-se ouviram o refrão:...”O Tatuzinho morreu! O Tatuzinho morreu”...

“Bom dia, seu Osvaldino. O senhor está querendo pular”...

“Oi rapazes, bom dia. A água estava morninha? Nus? Tomem vergonha moleques. Tomando banho pelados? Ali ? E se aparece uma menina, como fica?”

“Ora ,ora seu Osvaldino... “nóis ainda é criança””. Chacota o Zeca rindo da própria piadinha. “ Estávamos sozinho, e lá tem as touceiras de bambus que esconde... Mas se os nossos pais ficam sabendo, estamos fritos. Uma sova daquelas é certo! A mãe do Nandú então...é melhor ela não saber. Sabe? O macete é a gente se sujar com poeira, secar bem os cabelos... despistar. Mas seu Osvaldino, o senhor não acha que está se arriscando muito sentado aí na beira da ponte, solto, sem se segurar em nada? Olha tem muita pedra lá embaixo”.

Seu Osvaldino não deu ouvido ao alerta feito pelo Zeca e voltando sua atenção para o rio que corria sinuoso e preguiçoso em direção à sua foz, continuou com o refrão: “Tatuzinho morreu”...

“Como? Tatuzinho... Quem é? Pergunta o Zeca.

“Não se preocupem rapazes, é somente mais um “causo”... Reminiscências!..

Continuou....

“Portador de uma doença hereditária de enorme preconceito: acesso, epilepsia, catalepsia... desmaios. Boca a espumar... Cruz credo”!

. Quatro - A morte?

...”O Tatuzinho”... E o seu Osvaldino continuando trovadorescamente...

“Fica doente, sofre um ataque, desmaia. Demente?

É hospitalizado urgentemente inconsciente,

As enfermeiras, belas e resplandecentes, conferem:

O corpo está lavado. Enxuto. Mas eta homenzinho avantajado e bem dotado.

“ Exclamam! Puxa! Que “coisa” imponente, indecente... Atraente”?

Nunca durante o expediente tinham visto um... Igual. Um animal.

Sua história... Quem poderia imaginar!

Ele trabalhava e a ninguém mostrava, ninguém notava. Conta tomava

Da jeriqueira.Na jeriqueira, nas jiricas ninguém podia tocar.

“Jiricas, jiricas... frutos vou beliscar. Jogo para o alto, uma no ar, outras no chão.

Belisco e apanho e pego a que cai antes jogada ao ar.

Colho todas na palma da minha mão.

Doze... É do jogo!”

“Meninas não peguem, não carreguem. As jiricas são do Chico Teixeira”.

“Qual nada! Não tem dono. No chão quente estão. Isto é besteira”

Chico Teixeira, mestre e dono do grupião e da serra... Que serra toras e madeiras.

A serrar... Madeiras serradas de qualidade é com Chico Teixeira

Nada de desperdício, nada de fogo, nada a queimar.

Perobas, cedros, cerejeiras, jequitibás, pinhos, parajús. Madeira nobre!

Florestas a fenecer... Natureza mais pobre!

A jeriqueira plebéia, o homenzinho a proteger.

Os enamorados casais, quais passarinhos, sentados à sua sombra a namoricar.

Juras de amor a anunciar. Planos de amor a fazer... A sonhar.

E agora... Que pena. O Tatuzinho morreu. E a jeriqueira? O bem dotado coitado...

Mas é verdade? Morreu?... A curiosidade popular despertada quer conferir,

Rir.”

Seu Osvaldino, com as feições serenas do “dever poético realizado”, queda-se no mutismo por uns instantes.

Logo interrompido por Nandú: “ Seu Osvaldino e o Tatuzinho? Morreu?”

“ Bom... limpa a garganta de um estranho pigarro... Na verdade ele é hospitalizado

Após a crise ele era freqüentemente visitado. Com o boato da sua “condição de avantajado”, as visitas se multiplicaram. Em sua maioria, visitas do sexo feminino.

Eta meninas assanhadas, curiosas! As enfermeiras enciumadas ficavam bravas e controlavam rigorosamente o fluxo do entra e sai. Gritavam: “Nada de explorar o moribundo... Um avantajado.. .prostrado... aniquilado... Coitado!”

O Hospital teve sua rotina inteiramente prejudicada... Os médicos logo se apressaram, e ansiosos desejavam se virem livres da “raridade” incômoda, que estava a tumultuar o ambiente familiar, e estava a afetar até o comportamento de algumas enfermeiras “irmãs de caridade”, entre outras. Resolveram declarar: O Tatuzinho está morto!”

Na maca levado inconsciente, nu e enrolado num roto lençol, é deixado abandonado sobre a fria pedra de mármore do necrotério, num ambiente fétido e pouco iluminado, abafado, quente... Cruz Credo!

Ali sobre a fria pedra, o visual, o quadro era tétrico, inusitado: Jaz, imóvel, um homenzinho com três pernas... Três pernas?

A sala, o necrotério, estava com as portas abertas, escancaradas. A aberração... O homenzinho deitadinho, imóvel, só...

Lá pelas tantas do dia. Ensolarado e quente dia; chão a torrar. O calor era quase insuportável...

Um estalo, o homenzinho nu, gemeu, suspirou, espreguiçou-se e se levantou com o corpo todo molhado de suor, tanto que até pingava no chão. Olhou para os lados, fez uma cara de espanto. Seu único olho estava avermelhado e meio ofuscado. Talvez provocado pela forte luminosidade que estava a entrar pela porta aberta. Então ele saltou da pedra/cama e sozinho saiu em direção à rua.

A forte luminosidade continuava a importunar-lhe, ofuscando sua já precária visão.

Titubeante, meio zonzo, trôpego caminhou sem rumo, normalmente pelas ruas da cidade.

Ressuscitou?

Na rua, rapidamente o povo, ao virem o homenzinho nu ressuscitado, seguem-no atrás em fila. Fila essa formada em sua maioria por mulheres, que quase em transe, compiscuamente o seguia, seguia... Olhares fixos na “terceira perna”...No ahm... do homenzinho, que estava à mostra.

De repente, gritos histéricos: “Hei,hei,hei! O que você está fazendo Tatuzinho”? Você está nu na rua...

Súbito, como estivesse acordando naquele instante, Tatuzinho se dá grande importância ao notar grande público que o está acompanhando, responde bem alto:

“EM TERRA DE CEGO QUEM TEM UM ... Ahm... OLHO É REI”!

Nandú

BNandú
Enviado por BNandú em 12/11/2012
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