Marina traída
Marina era daquelas desavergonhadas que de tão piradas, num sufoco de qualquer instante, com medo de qualquer desatino, mesmo com as pernas errantes, ia caminhando com um plano. Tinha um copo de vinho na mão. Alimentava seu ódio numa crescente paixão. Já andava pelas tantas com tamanha alienação do Antônio perante sua aflição, seu medo de ser vista como uma tonta ingênua dum sentimento de imaginação.
Quando encontrou com ele sentado numa cadeira tomando sol no quintal, numa tranquilidade sem igual, seu rosto tomou cor avermelhada e as orelhas queimaram feito brasa: “Peste de homem!”, sussurrava. E como a natureza é macabra, a louca jogou de onde estava o copo de vinho que levava. Dessa vez teve que se apoiar nas paredes, estava tremendo, boca seca, olhar descrente.
O Antônio pulou de susto e viu os respingos como sangue em sua perna. Vinho de Marina. A sola do chinelo fazia “créc créc” pisando nos cacos. “Ô diabo de menina!” Tava feita a intriga. Que aquela mulher pensa, que queria? “Deve estar precisando de um trato”. Chegando perto era evidente seu cheio de álcool, traduzindo o pouco caso pelo corpo e a dignidade. Era já piedade daquela mulher que ele sentia. Foi pra cima dela pra apoiá-la, mas a doida gritou que o odiava.
Recobriu forças do nada e se ergueu sacudindo os quadris, a cabeleira ia esvoaçada. Saiu pra rua e foi falando a todos o quanto era mal-amada. Mulherada fofoqueira se amontoava e cochichava: “Já não era sem tempo que Marina descobriria da outra, a tal da Anamara!”.
O marido se digladiava debaixo do sol. Nem era remorso que sentia, era na verdade uma certa preguiça de explicar o que não tem motivo ou salvação. Marina estava andando pelo bairro toda desaforada, com a cara toda coberta de raiva e vestindo-se puramente de suas amarguras. Antônio resolveu ir atrás e vagou pela rua desconcertado. As invejosas riam, as interessadas o despiam com os olhos semicerrados. Era homem bonito, alto e forte, daqueles que todas pensam que possuir seja de grande sorte. Não precisou andar tanto pra encontrar a mulher aos prantos no bar do Seu Amâncio. Já estava naquele estágio de dar pena, ao ponto de ser arrastada pelo braço. As pessoas se aglomeravam pra assistir aquele percalço. “Coitada da Marina com sina de corna, quem diria que um dia desceria do salto?”. Olha a desonra.
O rímel manchava já não só seus olhos, mas como toda sua cara, em sinal de desespero pela presepada. Arrancou seu braço das mãos do homem amado, abraçou a si própria num silêncio choroso e vergonhoso. Disse que não o suportava, mas como faria se ainda o amava?
Não tem resposta, mas tem escapatória. Ele a prensou no canto da alcova, luz fraca, daquelas capciosas. Disse meia dúzia de besteira. Chamou de gostosa. Primeiro ela virava os olhos um pouco perturbada, fazia careta negando-se à vontade reprimida pelo ódio, em seguida desembestou a batê-lo na face, perdendo as contas de quantas vezes suas mãos estalaram contra àquela barba pronta para roçar-lhe o corpo. Amoleceu e ali mesmo perdoou no silêncio das palavras as dores de um ciúme, curando com o toque ludibrioso o gosto amargo do coração ultrajado. Quanto desgosto, quanto gosto. Então pediu que levasse um tapa no rosto, assim de joelhos. Achava que merecia. Ele a puxou pelo cabelo, ela olhava pra cima enquanto ele a examinava com falso desprezo, ela quase de dor uivando, implorava. Ele: “Mulher, isso é pra você aprender a não sair por aí me envergonhando!”. E “páft”. Ela caiu apertando o lado que latejava da cara. Feliz! Agora estava em seu devido lugar, sem vergonha, cheia de tara. Ele fecha a calça. Pega um copo de vinho, vai pra casa de Anamara.